Rodrigo Fonseca
Às vésperas da estreia de “Estranha Forma de Vida”, de Pedro Almodóvar, um filme brasileiro carregado de cores e instintos bem próximos aos do artesão autoral manchego busca espaço em tela atraindo holofotes para o diretor Diego Freitas – é ele o responsável pelo caliente “Tire 5 Cartas”. Em 2018, ele deu ao circuito um thriller eletrizante, “O Segredo de Davi”, que fincava os pés no âmago das narrativas de gênero, com espectro sensorial de sensualidade ao unir medo e desejo. É notável o trânsito que o cineasta faz agora pro ambiente do humor (mas trata-se de um humor bastante almodovariano, nada comportado), levando uma inspirada Lilia Cabral para um vívido registro de apresentação da brasilidade. Um registro distinto do que a atriz tem apresentado na TV e nos palcos.
Sob a produção de Joaquim Haickel e Elisa Tolomelli, “Tire 5 Cartas” se destaca em especial pelo trabalho de maquiagem, numa caracterização que aposta numa paleta retinta de pigmentos. Há que se destacar também a inteligente estratégia midiática de “product placement” para dar publicidade às belezas do Maranhão, onde o longa foi rodado e onde parte da trama se passa. Há ainda um terceiro vetor de encantamento: Stepan Nercessian. Num processo anfíbio entre o riso e o romantismo, o Jack Lemmon de Goiás nos dá um de seus mais inspirados desempenhos.

Na trama, fotografada por Victor Alencar numa luz dionisíaca, Fátima (Lília Cabral) é uma taróloga que enrola seus clientes com a ajuda de seu marido, Lindoval (Stepan Nercessian), um cover de Sidney Magal. Sua sorte muda quando um valioso anel roubado cruza o seu caminho. Decidida a ficar com o anel, Fátima foge dos bandidos e vai para sua terra natal, São Luís do Maranhão, embarcando numa aventura repleta de peripécias. Cada virada de roteiro – mesmo as que flertam com o diabo da obviedade – ganham viço na tela. Freitas dirige as situações cômicas elevando-as a 220 volts de potência, num flerte com a tradição da comédia de costumes.