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Waltel Branco e a obra-prima oculta da música brasileira

Meu Balanço faz 50 anos e é redescoberto por Djs mundo afora

por Laboratório Pop

Em 1975, um disco instrumental de grooves afiados e estética refinada surgiu sem alarde no cenário musical brasileiro. Meu Balanço, do guitarrista, compositor e arranjador Waltel Branco, foi lançado sem grande publicidade, mas aos poucos se tornou um cult dentro da música brasileira e, especialmente, entre os colecionadores de raridades e os apreciadores do samba-jazz, do soul e do funk instrumental. Meio século depois, seu legado só cresce, sendo redescoberto por DJs, produtores e músicos ao redor do mundo.

Quem foi Waltel Branco?

Waltel Branco nasceu em Paranaguá, no Paraná, em 22 de novembro de 1929. Autodidata desde cedo, começou a tocar violão e logo desenvolveu uma sensibilidade musical singular. Seu talento o levou a estudar com ninguém menos que André Segovia, um dos maiores violonistas clássicos da história. Mas a academia nunca foi sua única paixão: Waltel era um músico de muitas linguagens, movendo-se com facilidade entre o erudito, o popular e o experimental.

Nos anos 1950, migrou para o Rio de Janeiro e rapidamente se integrou ao efervescente cenário da bossa nova, trabalhando com João Gilberto, Tom Jobim e outros expoentes do movimento. Mas sua inquietação criativa o levou além: nos anos 1960, nos Estados Unidos, teve contato com o jazz, o soul e a psicodelia, elementos que enriqueceriam sua musicalidade.

Versátil, Waltel Branco deixou sua marca como arranjador e diretor musical em uma vasta gama de trabalhos, desde trilhas sonoras de novelas e filmes até discos fundamentais da MPB. Um dos grandes mistérios de sua carreira é a extensão exata de sua contribuição para obras clássicas, já que, muitas vezes, seu nome aparecia apenas em notas de rodapé, quando muito.

A gestação de Meu Balanço

Em meio ao turbilhão dos anos 1970, Waltel Branco lançou Meu Balanço quase que despretensiosamente. Naquele período, a música instrumental brasileira já havia dado frutos icônicos com Eumir Deodato, Marcos Valle, Azymuth e outros mestres do groove, mas ainda assim o disco acabou passando despercebido.

A sonoridade de Meu Balanço reflete um músico que absorvia influências de todos os lados. O álbum traz grooves envolventes, percussão vigorosa e metais explosivos, tudo ancorado pelo fraseado singular da guitarra de Waltel. Ele flerta com o soul, o jazz e o samba de maneira natural, sem parecer artificialmente construído para seguir tendências.

O disco é um testemunho da liberdade criativa que Waltel sempre buscou. Sem precisar atender às demandas comerciais de um mercado focado em vocalistas e melodias radiofônicas, ele pôde mergulhar em arranjos sofisticados e no jogo de texturas entre os instrumentos.

As faixas de Meu Balanço

A abertura do álbum, com a faixa-título “Meu Balanço”, já define o tom do disco: um groove irresistível, onde a guitarra conduz a melodia, enquanto a percussão e os metais criam uma atmosfera vibrante.

“O Preguiçoso” desacelera um pouco, mas mantém a pegada suingada, mostrando a habilidade de Waltel em explorar diferentes ritmos sem perder o fio condutor do groove.

“Zoraia” traz uma leveza jazzística, com um toque tropicalista que remete aos experimentos de Jorge Ben e de Dom Salvador.

Em “Lamento”, Waltel dá um tom mais introspectivo ao álbum, explorando harmonias mais sutis, enquanto “Lady Samba” retoma a energia dançante com uma linha de baixo pulsante e metais exuberantes.

“Airto’s Jazz”, uma homenagem ao percussionista Airto Moreira, é um dos momentos mais sofisticados do disco, fundindo samba-jazz com uma pegada fusion.

A diversidade sonora se completa com “Guitarra a Vapor”, um verdadeiro manifesto da destreza técnica e do feeling de Waltel Branco, e “Soul do Samba”, onde o encontro entre a música brasileira e o soul americano se dá de forma mais explícita.

O renascimento tardio e a influência global

Apesar de ter passado despercebido no Brasil, Meu Balanço começou a ser redescoberto a partir dos anos 1990, especialmente entre DJs e produtores de hip-hop e música eletrônica. O groove impecável e a riqueza rítmica do disco o tornaram um material valioso para samplers e mixagens.

Com a crescente valorização da música brasileira no exterior, a obra de Waltel Branco passou a ser mais reverenciada, e Meu Balanço se tornou um clássico cult. Hoje, o LP original é uma raridade disputada por colecionadores, e sua reedição em vinil tem sido celebrada por uma nova geração de ouvintes.

O legado de Waltel Branco

Waltel Branco foi um dos maiores músicos do Brasil, mas, paradoxalmente, pouco reconhecido pelo grande público. Sua influência, no entanto, pode ser sentida em inúmeros artistas que beberam da sua fonte, mesmo sem saber. Sua musicalidade era ampla, sem barreiras de estilo, e sua abordagem visionária fez dele um dos mais inventivos instrumentistas e arranjadores do século XX.

Cinquenta anos depois, Meu Balanço continua atual, mostrando que a música de Waltel Branco não era só um reflexo de seu tempo, mas um som atemporal, ainda vibrante e necessário.

Waltel Branco faleceu em 28 de novembro de 2018, aos 89 anos, em Curitiba, no Paraná. A causa de sua morte foi falência múltipla dos órgãos, resultado de complicações decorrentes de sua idade avançada e de problemas de saúde que vinha enfrentando.

Nos últimos anos de sua vida, ele passou por dificuldades financeiras e problemas de reconhecimento por sua vasta contribuição à música brasileira, mesmo tendo sido um dos mais prolíficos arranjadores e compositores do país.

Sua morte marcou o fim de uma trajetória brilhante, mas também levantou discussões sobre o esquecimento de grandes músicos pela indústria e pelo público. Ainda assim, sua obra continua sendo redescoberta e valorizada por músicos, pesquisadores e colecionadores no Brasil e no exterior.