RODRIGO FONSECA
Ziraldo é pedra fundamental na edificação cultural de gerações e gerações de brasileiros, o que torna o documentário “A Turma do Pererê.doc”, de Ricardo Favilla, uma atração obrigatória: no Rio de Janeiro, tem sessão dele nesta quinta-feira, às 18h, no Espaço Itaú. Sua narrativa mistura, na medida da doçura, reflexão histórica (seja sobre o mercado editorial do país, seja sobre a gênese do pensamento ecológico na América Latina) e discussões sobre brasilidade na fabulação, com um delicado trabalho de arquivo. Há cerca de um ano, o filme fez sua estreia no Festival do Rio, quando Favilla conversou com a gente sobre o legado do cartunista e de seu herói das matas. Um dos nutrientes mais essenciais ao crescimento fabular das crianças brasileiras nas últimas seis décadas, o Pererê, com sua patota serelepe de bichos, celebra seus feitos e as glórias autorais de seu criador, neste longa-metragem, produzido por Tacísio Vidigal, PH de Sousa e pelo próprio Favilla. Nele, pelas lentes do heroísmo pícaro, vemos o Pererê como um vigilante de nossas matas… mas um vigilante de aspecto moleque, embora já sessentão. Ele começou a ser desenhado por Ziraldo nas páginas da revista “A Cigarra”, em 1957, passando para “O Cruzeiro”, em 1958. Dois anos depois, o Pererê ganharia sua própria revista, que se tornou um sucesso de vendas: o gibi circulou entre outubro de 1960 e abril de 1964 com uma tiragem média de 120 mil exemplares. Estas e outras curiosidades integram o longa de Favilla, que trabalhou como produtor executivo em “O Menino Maluquinho 2” (1998), também decalcado do universo de Ziraldo.
“Responsável por antecipar o discurso ecológico no país, principalmente para o nosso público infanto-juvenil, o Pererê é um símbolo de inclusão, fundamental na luta pela nacionalização do quadrinho brasileiro”, disse Favilla numa entrevista pra gente em 2018.
O cineasta reúne no longa depoimentos de companheiros de Ziraldo como o cartunista Jaguar e o quadrinista Maurício de Sousa, abordando a transposição do personagem para outras mídias, como uma antológica série da TV Brasil, com Silvio Guindone no papel principal. “O visual do Saci que temos hoje em nosso folclore está mais ligado ao grafismo criado pelo Ziraldo do que as referências que a minha geração conheceu nas páginas do Monteiro Lobato”, disse o diretor.
Como a picardia é parte essencial da natureza das narrativas gráficas de Ziraldo, o filme de Favilla dá uma deixa para a irreverência na tela. “A Laerte fala no .doc trazendo uma questão: qual é o desafio de se desenhar a bunda de um personagem como o Pererê? Como se resolve o traço do bumbum do Pererê anatomicamente no cartum?”, refletiu o diretor carioca às vésperas da projeção de seu .doc na Cinemateca do MAM, numa comovente projeção que foi dedicada a um dos maiores pesquisadores do quadrinho brasileiro: o roteirista Carlos Patati, morto em junho de 2018. “Minha ideia era fazer um longa que alcançasse não apenas os curtidores de HQ mas que pudesse conversar com outros públicos explorando o processo criativo de Ziraldo como artista, com suas opções estéticas, sua escolha de cores”.