RODRIGO FONSECA
Inaugurada no dia 20, após uma projeção pra convidados de “Triângulo da Tristeza” (“Triangle of Sadness”), com Woody Harrelson, a Mostra de São Paulo segue firme com uma seleção de 223 produções de 61 países. Confira aqui os dez títulos mais pop:
O PORÃO DA RUA DO GRITO, de Sabrina Greve: Longa-metragem de estreia da talentosa estrela de “Uma Vida Em Segredo” (2001) calcado nos códigos do terror e nas narrativas à la “Poltergeist” (1982) de casas assombradas. Na trama, Jonas (Giovanni De Lorenzi) e Rebeca (Carol Marques da Costa) carregam a herança de uma família que um dia foi muito rica. Hoje, ela se encontra em uma situação econômica precária, em um casarão incompatível com a situação financeira atual deles. Lá, o apego do rapaz a suas raízes (assombradas pela violência doméstica) vai libertar demônios. O domínio de Sabrina sobre o espaço cênico, criando uma interseção matemática entre Passado, Presente e insanidade beiram a excelência.
ALDEOTAS, de Gero Camilo: Músico, ator e dramaturgo, o multiartista cearense dá ao cinema a chave da cidade de Coti das Fuças, terra imaginária onde dois amigos da vida toda, separados pelas rudezas do dia a dia do Brasil, reencontram-se num funeral. Helena Maura capricha na montagem de uma narrativa que celebra a amizade.
NAYOLA, de José Miguel Ribeiro: Uma das animações mais arrebatadoras do ano, egressa de Portugal, idealizada pelo realizador de “A Suspeita” (2000) faz um balanço dos traumas bélicos de Angola. Sua trama segue três gerações de mulheres afetadas pela guerra civil: a avó Lelena, a filha Nayola e a neta Yara. Um segredo doloroso, uma busca imprudente, uma música de combate, um amor suspenso e uma jornada de iniciação: essa é a fórmula do roteiro, que foi aplaudido com ardor no Festival de Annecy.
GIGI LA LEGGE, de Alessandro Comodin: Hilária, esta comédia à italiana, com aspecto de documentário, é narrada quase que inteiramente com a câmera centrada uma abilolado guarda rodoviário, Gigi (Pier Luigi Mecchia, brilhante), que roda estradas de um lugarejo sem qualquer sinal de confusão. Quando o corpo de uma mulher, aparentemente suicida, aparece o largo de uma linha de trem, ele vai investigar o caso, enquanto inicia uma paquera por rádio com uma colega que conhece só por voz. A montagem é do cineasta português João Nicolau, de “John Fromm”. Ganhou o Prêmio do Júri em Locarno.
COM AMOR E FÚRIA (“Avec Amour et Acharnement”), de Claire Denis: A aclamada cineasta francesa deixou a Berlinale com a láurea de Melhor Direção. Na trama, rodada após o primeiro lockdown, em Paris, uma radialista (Juliette Binoche) vive um casamento feliz com seu atual marido (Vincent Lindon) até que seu antigo namorado (Grégoire Colin) reaparece, tentando mordiscar o júbilo alheio. Trilha sonora é de Tindersticks.
EXU E O UNIVERSO, de Thiago Zanato: A merecidíssima conquista do troféu Redentor de Melhor Documentário no Festival do Rio, após uma sessão popular abarrotada no Cine Odeon, deu a essa investigação mítica, etnográfica e ética uma visibilidade à altura da divindade de origem africana que investiga. O longa estuda o mensageiro dos orixás, a entidade que faz da comunicação sua força, sendo confundida com o demônio em liturgias cristãs.
ARMAGEDDON TIME, de James Gray: Produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, este drama geracional evoca “Os Incompreendidos” (1959), de François Truffaut, ao enveredar por angústias de jovens rebeldes. O aborrescente em questão, Paul Graff (Banks Repeta) é um jovem judeu de família rica que vai testemunhar a exclusão racial de seu melhor amigo na Nova York dos anos 1980, em suas áreas mais intolerantes. Anthony Hopkins vive o avô batuta do rapaz. E Jeremy Strong tem uma atuação furiosa no papel do pai de Graff.
BOLICHE SATURNO (“Saturn Bowling”), de Patricia Mazuy: Elogiada pela revista “Cahiers du Cinéma” pela força imagética de sua imersão no código das narrativas policiais, Patricia refina seu estilo, consagrado com “Paul Sanchez Está De Volta” (2018), num thriller existencialista sobre a fraternidade. Sem medo da violência, a cineasta faz um ensaio sobre a fraternidade ao narrar o conflito entre um ambicioso oficial da polícia francesa, Guillaume (Arieh Worthalter), e seu irmão picareta, Armand (Achille Reggiani). Os problemas entre eles começam quando o pai morre e deixa como herança um clube de boliche. Guillaume crê que deixar o negócio nas mãos de Armand pode salvar o sujeito do ócio e do erro. Mas… Os enquadramentos da cineasta são enervantes.
“NADA DE NOVO NO FRONT” (“Im Westen nichts Neues”), de Edward Berger: Uma releitura do romance homônimo publicado por Erich Maria Remarque (1898-1970) em 1928, nas páginas de um jornal, o “Vossische Zeitung”. No ano seguinte, o texto saiu em livro e virou best-seller. Em 1930, Lewis Milestone (1895-1980) levou a prosa de Remarque às telas e ganhou o Oscar de melhor direção pelo empenho. Pode haver uma indicação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pra versão de Berger, chamada “All Quiet on the Western Front” nos EUA, uma vez que foi o longa escolhido pela indústria cinematográfica alemã para representar o país na disputa pela estatueta de Melhor Filme Internacional, em 2023. Seu foco são as trincheiras da Europa entre 1914 e 1918, ou seja, a I Guerra Mundial. Fiel à trama de Remarque, o filme de Berger segue os adolescentes Paul Baumer (Felix Kammerer) e seus amigos Albert e Muller, que se alistam voluntariamente no exército alemão, animados por uma onda de fervor patriótico que se dissipa rapidamente quando enfrentam as realidades brutais da vida na frente. Os preconceitos de Paul sobre o inimigo e suas certezas políticas acerca do conflito logo se desmoronam.