RODRIGO FONSECA
Estrelas em múltiplas mídias, Mindy Kaling e Morris Chestnut asseguraram a alegria do cinema brasileiro, na manhã desta segunda-feira, ao anunciarem o campeão nacional de bilheteria de 2024 (com 2,5 milhões de pagantes) “Ainda Estou Aqui” e sua protagonista, Fernanda Torres, no rol de indicações ao Globo de Ouro de 2025. A premiação engloba cinema e TV (em frentes distintas) e divide suas/seus concorrentes entre Drama e Comédia/Musical (que contempla o terror). Fernanda disputa a láurea de Melhor Atriz Dramática e a reconstituição de época feita por Walter Salles a partir do romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva concorre à láurea de Melhor Filme de Língua Não Inglesa. Os troféus serão entregues no dia 5 de janeiro, no Beverly Hilton Hotel, na Califórnia, quando Viola Davis receberá o Cecil B. DeMille Award pelo conjunto de sua carreira, como honraria honorária. A cerimônia é organizada pela Golden Globe Organization, que reúne 334 correspondentes da imprensa estrangeira, de 85 países, especializados em expressões artísticas.
Antes essa função cabia à Hollywood Foreign Press Association (HFPA), que abriu suas portas em 1943, com o objetivo de estimular a circulação de notícias ligadas ao motel platônico do século XX – o cinema – para além dos muro dos Estados Unidos, tendo como principal chamariz de seu trabalho a organização de um prêmio anual. A primeira cerimônia do Globo de Ouro ocorreu em 1944, no estúdio 20th Century Fox, de olho nos magnatas da indústria. Seu primeiro vencedor foi “A Canção de Bernardette”, que conquistou vitórias nas disputas de Melhor Filme, Direção (Henry King) e Atriz (Jennifer Jones). Seu troféu – caracterizado por uma reprodução da esfera terrestre rodeada por uma película de filme cinematográfico – teve vários designers ao longo das últimas oito décadas. A versão distribuída atualmente pesa cerca de 3,5 quilos; é feita de latão, zinco e bronze; mede 11,5 polegadas, acoplando-se a uma base retangular, vertical, de notável elegância. De 1950 até 2022, guerras internas – de egos e de condutas profissionais questionadas em parâmetros éticos – quase levou a festa de entrega dessa estatueta à extinção, sob a acusação de abusos de poder, falta de representatividade (das populações negras, asiáticas, indígenas) e sexismo. A ameaça de cancelamento reinou sob as cabeças da HFPA até uma revitalização, em 2023, o que deu ao contingente de profissionais de mídia envolvidos em sua realização de se reciclar.
Este ano, o longa-metragem com mais indicações (dez) é o musical francês “Emilia Perez”, de Jacques Audiard (exibido na abertura do Festival do Rio), seguido pelo drama americano “O Brutalista”, de Brady Corbet, que concorre em sete frentes. Na seara da dramaturgia serializada, os concorrentes com mais indicações são “O Urso” (na comédia, nomeado em cinco categorias) e “Shogun” (no drama, nomeado para quatro prêmios).

Walter Salles dirige Fernanda Torres no set de “Ainda Estou Aqui” (chamado de “I’m Still Here” lá fora, em tradução literal) – Fotos de Alile Dara Onawale/ Divulgação

Salles ganhou o Globo dourado de longas não estadunidenses de 1999, por “Central do Brasil” (Urso de Ouro da Berlinale de 1998), com Fernanda Montenegro, mãe de Torres. Ela também atua no longa sobre a advogada e ativista Eunice Paiva (1932-2018). Ela e a filha se revezam nesse papel, em fases históricas distintas, numa trama com sequências em 1971, em 1996 e 2014, centrada na batalha de sua personagem central para expor crimes de estado durante a ditadura militar de 1964 a 1985. Seu marido, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (vivido por Selton Mello) foi levado para depor e jamais apareceu.
Exibido mundialmente pela primeira vez em setembro no Festival de Veneza, de onde saiu com o prêmio de Melhor Roteiro (escrito por Heitor Lorega e Murilo Hauser), “Ainda Estou Aqui” vai encarar “Emilia Perez” na caça ao Globo de melhor produção de DNA estrangeiro. A produção parisiense, ambientada no México e falada em espanhol, vendeu 1.067.268 entradas em seu país de origem. Em terras francesas, em Cannes, na disputa pela Palma de Ouro, Audiard ganhou o Prêmio do Júri pela saga (cantada) de um chefão do tráfico que transiciona, para assumir identidade feminina, e renasce como Emilia. O papel é da espanhola Karla Sofía Gascón, que saiu da Croisette com um prêmio coletivo de atuação feminina compartilhado com Adriana Paz, Zoe Saldaña e Selena Gomez. As duas últimas disputam o Globo de Atriz Coadjuvante.
No caminho de Salles estão ainda “Tudo O Que Imaginamos Como Luz” (“All We Imagine as Light”, da Índia); “A Garota da Agulha” (“The Girl with the Needle”, da Dinamarca); “Vermiglio”, da Itália; e “The Seed of the Sacred Fig”, misto de drama e thriller com CEP do Irã que vem sendo indicado pela Alemanha, que o coproduziu. A produção indiana é vista, hoje, como a mais potente concorrência de “Ainda Estou Aqui”, uma vez que sua realizadora, Payal Kapadia, foi indicada ao Globo de Melhor Direção.
A concorrência de Fernanda Torres também é forte. Suas adversárias são Pamela Anderson (“The Last Showgirl”); Angelina Jolie (“Maria”); Nicole Kidman (“Babygirl”); Tilda Swinton (“O Quarto Ao Lado”) e Kate Winslet (“Lee”). Premiada em Cannes, em 1986, por “Eu Sei Que Vou Te Amar”, a estrela de marcos do nosso teatro (“A Casa dos Budas Ditosos”) e de nossa TV (“Os Normais”) vem sendo elogiada em todos os festivais por onde “Ainda Estou Aqui” já passou, incluindo mostras em San Sebastián, Nova York, Toronto e Marrakech.
No passado, acreditava-se que a vitória no Globo de Ouro era uma garantia de Oscar, mas hoje já se sabe que não, apesar de assegurar prestígio a suas/seus nomeadas/os. O maior peso no futuro dos oscarizáveis vem dos prêmios de entidades de classe, com destaque para duas: o Sindicato de Atrizes e Atores, o Screen Actors Guild (SAG) e o Sindicato de Produtoras/es, o Producers Guild of America (PGA). O primeiro anuncia seus concorrentes em 8 de janeiro e entrega suas láureas em 23 de fevereiro. O PGA revela seus indicados em 10 de janeiro e contempla seus eleitos em 8 de fevereiro.
Em 17 de dezembro serão divulgadas as shortlists (espécie de eliminatória) da Academia de Hollywood, para algumas categorias. Trata-se de uma peneira dos 15 longas que passam pelo primeiro crivo da instituição em quesitos como Melhor Filme Internacional. Desse contingente saem os indicados, cinco ao todo, a serem anunciados no dia 17 de janeiro, quando sai a lista oficial de concorrentes que estarão em concurso na cerimônia hollywoodiana, agendada para 2 de março, no Dolby Theatre, em Los Angeles. Há 90 produções inscritas, do planeta inteiro.