Rodrigo Fonseca
Um ensaio sobre nossas cegueiras vai tomar conta do Canal Brasil nesta quarta-feira, às 20h: “Tudo é irrelevante”, um retrato afetivo do cientista político Helio Jaguaribe (1923-2018). Com picos de experimentação sensorial em sua estrutura narrativa de almanaque, regada a provocação, depura convenções do cinema documental biográfico, de mãos dadas à dialética, para construir um debate, de múltiplos (e contrastantes) pontos de vista, sobre a produção intelectual brasileira. Vinhetas, fotos, ilustrações e imagens de arquivo são costuradas numa colcha gráfica de 1 hora e 23 minutos de diálogo, em depoimentos e embates delicadamente alocados na montagem de Isadora Hertz – fluida, sem didatismos. O legado filosófico de HJ é ponto de partida e nunca um ponto de chegada neste filme, que trança diferentes saberes – a partir da narração da atriz Fernanda Montenegro – num ensaio quase hegeliano sobre a cegueira inerente a juízos morais. Há uma linha biográfica desenhada com sutileza por Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, num esforço de se traçar a figura de Helio e sua contribuição para os estudos sobre as vicissitudes do Brasil. Mas o filme é menos sobre ele e mais sobre o que suas ideais (e as de seus parceiros) revelaram sobre nossas falências políticas. A fotografia de Baldan potencializa visualmente cada fala e reforça uma marca autoral que Izabel (filha de Helio) já apresentava no belo “Paulinho da Viola – Meu tempo é hoje” (2003): a busca pela transcendência poética que habita nos gestos mais simples de seus entrevistados.
p.s.: Às 22h, o Canal Brasil exibe “Tropa de elite”, que nos deu o Urso de Ouro na Berlinale de 2008 e permanece polêmico.