RODRIGO FONSECA
Serão anunciados, no dia 14 de agosto, os vencedores do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, que traz entre os concorrentes à láurea de melhor filme de DNA íbero-americano uma joia do nosso hermano Uruguai: o drama político “Uma noite de 12 anos”.
Rivais nos gramados, Brasil e Argentina também engataram um Fla x Flu nos campos do audiovisual, disputando a fama de quem escreve roteiro melhor desde o dia em que “O filho da noiva”, de Juan José Campanella, pousou por aqui, em 2002 – porém o Uruguai nada tem a ver com essa briga. Muito se vê dos argentinos por aqui (de Lucrecia Martel a comédias azadas como “O cidadão ilustre”), mas quase nada recebemos da produção uruguaia, que se difere de seus hermanos das terras de Maradona por um cinema menos refém da palavra, de maior voltagem contemplativa e de personagens menos arquetípicos, com mais dubiedade moral. Essas três características ditam o tom autoral da filmografia ainda jovem, porém de um vigor narrativo invejável do diretor Alvaro Brechner, conhecido por aqui pelo agridoce “Sr. Kaplan” (2014), e agora promovido ao panteão da fama diante do sucesso mundial de seu recém-chegado “Uma noite de 12 anos”. Há tensão, há reflexão política, há uma desconstrução (nada desrespeitosa de um mito real (Pepe Mujica) e há um senso (inteligentíssimo) de analogia entre a realidade do Uruguai nos anos 1970 e as demais crises democráticas da América do Sul em um tempo de regime militar no continente. Mas há, no leme dessa embarcação histórica, um debate sobre lealdade: o tema nº1 de Brechner desde sua estreia na ficção, em 2009, com “Mau dia para pescar”.
Sensação da mostra Horizontes do Festival de Veneza, muito bem cotado ao prêmio principal da seção Horizontes Latinos do Festival de San Sebastián, que termina amanhã, na Espanha, “Uma noite de 12 anos” estabelece, na História do Cinema, uma parentela indireta com nosso “Memórias do carece” (1984). Tal qual o genial épico de Nelson Pereira dos Santos, a noção de heroísmo aqui também se estabelece em torno da preservação de ideologias políticas em meio ao claustro, à tortura. Lá, tínhamos Graciliano Ramos. No filmaço de Brechner, temos um trio formado pelo escritor Mauricio Rosencof (Chino Darín, filho de Ricardo, em seu trabalho mais tocante), (o futuro senador) Eleuterio Huidobro (Alfonso Tort) e um certo Mujica (Antonio de la Torre, ator espanhol querido por Almodóvar, notável na economia de recursos dramáticos). O tônus poético do longa-metragem de Brechner vem das estratégias travadas por esses três numa batalha interna para não sucumbirem à loucura ou mesmo ao suicídio.
O humor sutil, mas necessário de Mauricio, areja o clima de tensão do ambiente onde eles são submetidos à solitária, num empenho dos militares para alquebrar a alma de seus opositores. Mujica entra em cena de maneira discreta, sem que seu nome e a memória que temos de seus feitos no mundo real ofusquem o personagem em formação que Brechner nos apresenta. Não estamos diante de uma cinebiografia clássica. Antonio de la Torre não nos entrega “o” Mujica e, sim, “um” Mujica: o seu, silencioso, observador, gregário. Na retidão que preserva mesmo no ápice da brutalidade constrói o líder que ele virá a ser. E Brechner acentua o renascer dessa fênix latina construindo uma linguagem claustrofóbica, amplificada pela fotografia árida de Carlos Catalan. Esta se enamora pelo quarto e mais volumoso protagonismo deste recorte da tragédia política das América: a solidão, cantada aqui numa releitura do hit “The sound of silence”, feita por Silvia Pérez Cruz. Gol de placa do Uruguai.