RODRIGO FONSECA
Com cem filmes em um currículo iniciado em 1991, Takashi Miike, o Quentin Tarantino da Ásia, chegou a San Sebastián com status de astro, não apenas pelo status autoral pop que angariou em sua estrada como realizador – em seu Japão natal e fora dele – como pelo prestígio de seu mais recente longa-metragem mundo afora: “Hatsukoi”. Batizado de “First love” em mercados não asiáticos, o novo thriller do diretor de 59 anos acompanha o empenho de um pugilista fragilizado por uma doença terminal para ajudar uma jovem acossada por delírios persecutórios num embate contra uma guerra de gangues. As cenas de ação exuberantes surpreenderam mesmo os fãs do prolífico cineasta. “Eu me inspiro muito nos clássicos de samurai de Kurosawa, ainda que eles já não sejam mais um objeto de estudo para as novas gerações no Japão. Mas meu empenho não está em roubar ideias de Kurosawa e sim em levar questões do presente, do meu mundo, para um universo que ele lapidou”, disse Miike ao Lab Pop, em Cannes, onde seu longa foi ovacionado, às custas de litros de adrenalina. Espera-se o mesmo da passagem do longa aqui pelo festival espanhol: nas telas de San Sebastián, atualmente em sua 67ª edição, Takashi é um deus da representação do ódio.
Seu longa mais aclamado até hoje é uma adaptação homônima do cultuado mangá “Blade of the Immortal”, de Hiroaki Samura, lançada em 2017 e, até hoje, inédia em circuito no Brasil, como quase tudo dele. Exibido fora de concurso na Croisette, este sangrento thriller feudal foi produzido pelo mítico magnata do cinema americano Jeremy Thomas (de “A Árvore da Vida”) de olho da força popular do gibi e na adoração que os festivais têm por Miike, como se vê em San Sebastián, que também recebeu outro japonês de peso, o cronista do cotidiano Hirokazu Koreeda, com seu “La Vérité”. Mas o estilo de Koreeda é a leveza. O de Miike, a brutalidade.
“Li muito mangá quando era menino, como todo jovem japonês, e guardei das HQs lições de rigor na composição de quadro que uso nos meus filmes, sobretudo para fazer uma reflexão sobre honra, como se vê em ‘First love’, que debate o querer”, explicou Miike. “Existe algo em comum entre faroestes e filmes de caubói. Ambos falam de mundos de muita solidão nos quais as pessoas se embrenham em travessias em busca de harmonia”
No domingo, na disputa pela Concha de Ouro, San Sebastián conferiu um concorrente da China: “Llamo and Skalbe”, de Sontha Gyal. Na trama, um casal apaixonado tem que abrir mão do sonho do matrimônio porque ele não completou seu divórcio legalmente e a ex pretende trazer problemas para os anseios românticos de seu antigo parceiro. Mas as razões disso não são movidas pelo egoísmo e sim por feridas profundas. Até o momento, no evento, que abriu as portas na sexta-feira, o longa em concurso com maior destaque é “Próxima”, da francesa Alice Winocour (de “Augustine”), no qual Eva Green vive uma astronauta com conflitos em um planeta não muito distante, chamado Maternidade.
Porém a produção com mais visibilidade da mostra oficial foi exibida hors-concours: a dramédia argentina “La Odisea de Los Giles”, de Sebastián Borensztein, com Ricardo Darín e seu filho ator, Chino. Vista por 1 milhão de pagantes na terra de nossos hermanos, o longa põe o astro no papel de um ex-craque de futebol que, em 2001, no ano da falência financeira de sua pátria, reúne um grupo de vizinhos, em uma cidadezinha do interior, para abrir uma cooperativa. A aposta desta segunda é “The other lamb”, da polonesa Malgorzata Szumowska (de “Body” e “Mug”), centrado nos feitos de uma seita religiosa.
San Sebastián segue até o dia 28, quando será realizada a cerimônia de premiação, precedida pela exibição de um filme surpresa, o que todos aqui acreditam ser o novo Woody Allen: “A rainy day in New York”.
#takashimiike #tarantino #firstlove #Hatsukoi #sansebastian