RODRIGO FONSECA
Há uma década, durante uma conversa com o LABORATÓRIO POP sobre a geração americana da Nova Hollywood, ou seja, aquela responsável por uma revolução das narrativas pop entre 1967 e 1981, Steven Spielberg lembrou do parceiro – e amigo – Brian De Palma, segundo quem “o risco é um alimento, pra si e pra nós”. À época, o Rei Midas do cinemão lançava “Lincoln” (2012) e se preparava para assumir a presidência do Festival de Cannes de 2013, coroado “O Azul É A Cor Mais Quente” com a Palma de Ouro. Aquela medida de risco parece ter voltado com força total às suas retinas, a julgar pelas palavras que proferiu na terça-feira no Festival de Berlim nº 73, antes de receber o Urso de Ouro Honorário pelo conjunto de sua obra.
“Eu passei muito tempo idealizando ‘West Side Story’, pois queria muito fazer um musical, e vi naquele projeto uma forma de retornar a um dos espetáculos mais poderosos já feitos pela Broadway. Fiquei também um tempo pensando no que veio a ser ‘Os Fablemans’, meu mais recente filme, por ele conversar com a minha história. A separação dos meus pais provocou um grande impacto sobre mim, mas a minha mãe sempre foi alguém incrível, que me trouxe histórias. Depois desses dois filmes, eu me sinto livre. Vou trabalhar agora numa série, feita a partir do material que Stanley Kubrick deixou de seu projeto sobre Napoleão Bonaparte. Eu sinto que a pandemia deixou em mim um senso pesado de mortalidade”, disse Spielberg na capital alemã, horas antes de receber seu troféu de honra das mãos do cantor Bono.
Aos 76 anos, o cineasta – cujo currículo ostenta alguns dos maiores sucessos da História – está no páreo do Oscar 2023 com a saga da família Fabelman, que é um alter ego do clã Spielberg. A outra comemoração em torno de seu nome a ser feita no festival germânico é a celebração dos 30 anos de “A Lista de Schindler” (1993), a produção de US$ 22 milhões que deu a Spielberg seu primeiro Oscar de Melhor Direção – com um faturamento de US$ 322 milhões.
“Gosto de falar de quem se põe em perigo pelo outro, em igual medida de perigo, celebrando a solidariedade”, disse o diretor ao LABORATÓRIO em Cannes, quando lançou “O Bom Gigante Amigo” (2016), um de seus raros fracassos.
Berlim preferiu, contudo, ignorar os sazonais equívocos comerciais de Spielberg e se ater aos êxitos de um realizador que, agora, prepara um resgate do policial vivido por Steve McQueen em “Bullit” (1968), tendo Bradley Cooper como seu protagonista. Para refazer o trajeto da estrela de boa sorte que (quase) sempre acompanhou o cineasta, a Berlinale vai exibir ainda: “Ponte dos Espiões” (que rendeu o Oscar de Melhor Coadjuvante a Mark Rylance em 2016); “Munique” (2005); “E.T.: O Extraterrestre”, que ele projetou em Cannes em 1982, e virou um recordista de público com US$ 792 milhões de faturamento; “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981), no qual surgiu o arqueólogo Indiana Jones; “Tubarão” (1975), fenômeno pop que mudou todas as regras de mercado do cinemão, ao inaugurar o conceito de blockbuster; e “O Encurralado” (1971), o primeiro longa de Steven, idealizado como telefilme, mas levado ao circuito pela potência de sua narrativa.
Vai ter Berlinale até o dia 26, quando serão conhecidos os ganhadores do Urso de Ouro. Até o momento, entre os concorrentes ao Urso de Ouro, “La Grand Chariot”, um estudo do francês Philippe Garrel sobre a fricção entre a modernidade, a contemporaneidade e a desaparição é o filme mais sublime. A fotografia de Renato Berta é um esplendor. Destaca-se ainda “Mal Viver”, do português João Canijo, que é uma aula das mais líricas de direção, falando da rotina das funcionárias e proprietárias de um hotel.