RODRIGO FONSECA
Atual queridinho da crítica europeia, depois de ter caído nas graças da revista “Cahiers du Cinéma”, o catalão Albert Serra tem um compromisso com San Sebastián neste domingo: ele terá uma palestra para fazer no auditório Tabakalera, conversando com a plateia espanhola sobre sua estética. O motivo de seu sucesso é o longa “Pacifction” (2022), ganhador do César (o Oscar da França) de Melhor fotografia (Artur Tort) e Melhor Ator (Benoît Magimel).
Empatia é um termo sempre usado na diagonal, nas raias da opacidade, nas trocas formais, oficiais e (vez ou outra) afetivas retratadas em “Pacifiction”, longa-metragem visualmente virtuoso que foi eleito “O Melhor Filme de 2022” na votação da já citada “Cahiers du Cinéma”, considerada uma bíblia audiovisual desde 1951. Essa estampa de qualidade do mais respeitado periódico do mundo transformou o que era uma potente dramaturgia sobre a ressaca política de um mundo de ideologias afogadas num acontecimento. O trabalho de Serra é um primor.
Desde o obrigatório “A Morte de Luís XIV” (2016), com Jean-Pierre Léaud, o cineasta goza de um prestígio autoral singular na Europa, como porta-voz de almas alquebradas pela percepção de que o tempo histórico que validava suas potências beira o ocaso. Tort, habitual fotógrafo de seus longas, jamais olha para uma corte, um ambiente palaciano ou pro mix de resorts e inferninhos retratado em “Pacifiction” em busca de lugares comuns de luxo e de suntuosidade. Existem várias moléstias na dramaturgia de Serra e o tédio é uma delas, quase sempre acompanhado de um certo esnobismo maquinal, ou seja, uma arrogância em relação aos processos de interação social e de trocas financeiras. Assim sendo, lirismo é algo que não lhe cabe, ainda que exista algo de lúdico no verdume das florestas da Polinésia Francesa onde a trama se passa. Mas a preferência de Serra é pelo que existe (ora) de arenoso e (ora) de lamacento na alma do personagem central daquele Éden em falência: um misantropo alheio à perseverança humana chamado De Roller, Alto Comissário da República no Taiti.

Benoît Magimel ganhou o troféu César de Melhor Ator por “Pacifction”

Para viver a figura enigmática, que é galã e monstro no mesmo corpo, operando como Jekyll pro neoliberalismo e Mr. Hyde para o discurso ecológico, Serra convocou um ator em estado de graça. Magiel está soberbo. Premiado em Cannes, em 2001, por “A Professora de Piano”, em duo erótico com Isabelle Huppert, Magimel transforma De Roller num Exu que flana por diferentes mundos (o de governantes poderosos, o de turistas milionários e o bas-fond do comércio sexual) buscando equilíbrio. Mas a ameaça de um conflito atômico, somada à fagulha de um benquerer que parecia impossível, vai tirá-lo do ponto morto. Seu despertar revela, com o olhar decadentista de Serra, que o bárbaro é sempre aquele que se civilizou. É um roteiro deslumbrante, defendido por um ator no apogeu de seu vigor cênico.
Neste domingo, a seção Horizontes Latinos de San Sebastián recebe um dos destaques da Berlinale: “El Eco”, de Tatiana Huezo, egresso do México. Foi o vencedor da disputa de Melhor Documentário de Berlim e ainda conquistou por lá a Láurea de Melhor Direção da mostra Encontros, consagrando a realizadora de “Reze pelas Mulheres Roubadas” (2021). Ela fez aqui um registro poético sobre um vilarejo mexicano que parece parado no tempo, castigado pelo frio e por secas, no qual jovens cuidas de suas avós, assim como tomam conta de rebanhos carentes de melhores condições. É uma metáfora entre a natureza humana e a vida animal.
O Festival de San Sebastián termina no dia 30.