RODRIGO FONSECA
Tem muita gente dando bordoada (injusta) no belo “Maestro”, que pode render o Oscar a Bradley Cooper… aquele que ele merece desde o fenômeno de bilheteria “Sniper Americano”, de 2014. Foi dirigido lá por Clint Eastwood, que hoje, aos 93 anos, prepara um longa-metragem novo. Tá dirigindo “Juror #2”, com Nicholas Hout, que pode ser um dos concorrentes ao Urso de Ouro da 74. Berlinale, agendada de 15 a 25 de fevereiro. Clint deu um papel de peso para Bradley também no possante “A Mula”, que acaba de entrar na grade da Amazon Prime, além da HBO Max. É uma joia a se redescoberta, mas via streaming.

Imperdoáveis sejam os pudores morais que andam escanteando a importância estética ímpar de Eastwood por conta de suas posições políticas pessoais conservadoras. Em decorrência de patrulhas ideológicas, “The Mule”, um filme memorável – à altura de obras-primas como “Cartas de Iwo Jima” (2006), “As pontes de Madison” (1995) e do devastador “Cavaleiro Solitário” (1985) -, foi subestimado nos EUA. À época de sua estreia, foi ignorado para o Oscar.

Em sua trama, em meio a uma vertiginosa ciranda de feitos ilícitos, vemos a atuação mais comovente da (longeva) carreira do astro. Mas o troco foi dado: fora da América, esta trama – baseada na reportagem “The Sinaloa Cartel’s 90-year old drug mule”, feita para o “The New York Times”, por Sam Dolnick – coleciona elogios e deu a Eastwood a capa da prestigiosa revista “Cahiers du Cinéma”. Nela, a crítica Florence Maillard trava paralelo entre Earl Stone – o papel de Clint, um agricultor falido que se transforma em “vaporzinho” para traficantes mexicanos – e o cinema de Raoul Walsh (1887-1980). A analogia se dá a partir do faroeste épico “O Intrépido General Custer” (1941), com Errol Flynn.

No posto de diretor, Walsh desfilou por variados gêneros, assim como Eastwood. Tal como Clint sempre faz, impregnava os filões mais populares, como esta citada aventura no Oeste, com um toque de amargura, uma percepção do desespero nosso em relação a impotências e deslizes. Esse é o tema de “A Mula”, produção de US$ 50 milhões cujo faturamento global foi de US$ 174 milhões. Stone é um fanfarrão nada ordeiro. A interpretação dele tira Clint do arquétipo de durão, esbanjando molejo e fragilidade.

Carlos Gesteira dubla Eastwood no Brasil

No ocaso da vida, ao chegar aos 90 anos, Stone percebe o quanto perdeu tempo na relação com aqueles que o amavam. Um convite para entregar drogas, ganhando o que sua horta jamais renderia, parece a chance ideal de compensar com dinheiro aquilo que não ofereceu de afeto. Mas existe o amor e existe a vida, sua inimiga: querer nem sempre é poder. E como “Os Imperdoáveis” – que deu a Eastwood o Oscar de direção em 1993, já deixava evidente: há um limite para o erro e o perdão. Limite que, aqui, o octogenário cineasta desenha desafiando códigos da correção política e arrancando atuações memoráveis de Dianne Wiest (a ex-mulher de Stone) e de Andy Garcia, um chefão memorável. Bradley vive o agente federal que o persegue. A fotografia de Yves Bélanger (“A chegada”) é chapada em tons ocres, cinzentos, para traduzir o quão grisalha é a ética do mundo cão que produziu Stone. No Brasil, Clint foi dublado por Carlos Gesteira.

p.s.: A Tela Quente deste 25/12 exibe “Frozen 2”, a bombada sequência do fenômeno de 2013, com ótima paricipação de Fabio Porchat dublando Olaf.