Cinema

A vida dos sem-terra em leitura na Berlinale

Por Laboratório Pop

Myrna Silveira Brandão

A diretora brasileira Camila Freitas foi selecionada para a Berlinale com um filme de teor fortemente político – o documentário “Chão” – sobre o Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST). O doc. teve estreia mundial na Fórum, mostra dedicada ao cinema de vanguarda e experimental.

O filme mostra a vida dos sem-terra, através de uma comunidade de trabalhadores de Goiás, que em 2015 ocupou parte do terreno de uma fábrica de cana-de-açúcar e exigiu uma redistribuição da terra.

“Chão” documenta o dia a dia destes sem-terra e lhes acompanha no seu trabalho no campo e seu ativismo político.

Na entrevista que deu ao LABORATÓRIO POP, a diretora – que foi aluna do Berlinale Talents – disse que a seleção para Berlim traz uma sensação muito recompensadora de completude de um ciclo.

“Faz muito sentido voltar pra cá um ano depois de ter participado do Doc Station em 2018, no início da etapa de edição de “Chão”. É muito legal sentir que o festival sustentou a aposta da Berlinale Talents ao convidar o filme depois de pronto”.

LP – Berlim é certamente o Festival mais político do mundo, o que tem muito a ver com o seu filme. Fale um pouco sobre isso.

CF – “Do ponto de vista político, acredito que a estreia no festival é muito positiva. Vivemos um momento de ascensão vertiginosa do conservadorismo no Brasil, em que o presidente da Republica afirma que combater todo o ativismo, criminalizar os movimentos por terra e moradia e acabar com a reforma agrária estão entre suas principais metas. Em seus primeiros dias de governo, Jair Bolsonaro assinou um decreto facilitando a aquisição de armas, confirmando a ideia largamente difundida em campanha de que todo latifundiário deva ter acesso a armas para combater os sem-terra. Em um momento em que a perseguição e criminalização a movimentos populares se intensificam no Brasil, o espaço de reflexão artística e política que se abre com a estreia do filme na Berlinale ganha um peso ainda maior.

LP – Qual a principal motivação para ter realizado “Chão”?

CF – A questão agrária sempre me fascinou em sua complexidade e urgência, por ser uma das maiores feridas da nossa formação enquanto nação, e um dos impasses para a enorme desigualdade que nos constitui. Eu já tinha tido uma experiência de imersão com o movimento em 2001, junto a outros colegas do curso de cinema da UnB, em que frequentamos e filmamos por três meses um acampamento dos sem-terra em Brasília. Acabamos não concluindo o filme, e sempre tive vontade de voltar a ter contato com o movimento, o que não aconteceu antes de 2014.

LP – Quando surgiu a ideia de fazer o filme?

CF – A ideia do filme veio quando o MST ocupou um latifúndio de um político proeminente em Goiás, 12 anos depois de eu ter filmado o meu primeiro curta no mesmo espaço. A partir de relatos de camponeses que haviam sido pressionados a vender suas terras e deixar o campo, “Passarim” (2002) olhava para a transformação daquela paisagem em latifúndio. O filme acabou constituindo um documento importante para o movimento, o que nos reconectou e iniciou a parceria que deu origem ao “Chão”. Com essa nova vivência, decidi fazer um filme novamente a partir da transformação da paisagem no campo, mas agora num fluxo reverso em que trabalhadores rurais precarizados, ex-camponeses e trabalhadores urbanos se reapropriam do território e constituem uma comunidade rural sui generis, formada por pessoas de diferentes origens e vivências, com o MST e a luta por reforma agrária como elo comum.

LP – A Fórum é uma mostra conhecida por filmes que desafiam convenções, como é o caso do seu. Qual resultado espera desse público?

CF – Isso é algo bem difícil de prever, visto que é a primeira exibição para uma audiência internacional que não tem, naturalmente, a mesma vivência que o público brasileiro possui com o tema central do filme. Por outro lado, a Forum sempre se esforçou em dar espaço a vozes e narrativas fora do mainstream, a cineastas estreantes ou de países com menos exposição midiática, e também é um espaço em que cineastas mulheres historicamente tiveram mais espaço e igualdade. Espero que o público possa se enriquecer com as reflexões artísticas e políticas que nos movem nesse filme.

FILME CHINÊS É RETIRADO DA MOSTRA OFICIAL

Quatro dias antes de sua estreia mundial, “One second”, do cineasta chinês Zhang Yimou – que teria sessão de gala na próxima quinta-feira (15) às 22h no suntuoso Palácio dos Festivais – foi excluído da programação do Festival de Berlim. Segundo release enviado pela organização, a retirada se deveu a problemas técnicos de pós-produção.

“One second”, que tem como protagonista um jovem sem teto, se passa durante a Revolução Cultural (1966-1976), período de grandes transformações sociais e políticas na China.

O anúncio informa que, no lugar de “One second – que concorria ao Urso de Ouro – será exibido “Hero”, realizado pelo cineasta em 2005.

Mas zumbidos de bastidores – e também segundo a Variety – dizem que o filme não será exibido devido à censura das autoridades chinesas.

“Sorgo vermelho”, considerado obra-prima do consagrado cineasta de 68 anos, ganhou o Urso de Ouro em 1988.