Myrna Silveira Brandão, de Berlim
Em “Lysístrata”, peça de Aristófanes, as mulheres das cidades gregas envolvidas na Guerra do Peloponeso, lideradas pela personagem título, decidem instituir uma greve de sexo até que seus maridos parem de lutar e estabeleçam a paz. Em “Chi-Raq”, seu novo filme, o diretor Spike Lee se baseia na peça, trazendo-a para os dias de hoje no quotidiano das desfavorecidas comunidades afro-americanas de algumas áreas de Chicago.
A violência nas ruas da cidade atingiu proporções tão altas e com tantos homicídios, que os moradores de South Side – onde grande parte está centrada – passaram a chamá-la de Chi-Raq, uma fusão de Chicago e Iraque, que para eles foi o que se tornou.
O filme está na mostra oficial, fora de competição, desta 66ª edição do Festival de Berlim e foi mostrado numa sessão lotadíssima.
Um elenco estelar inclui, entre outros, Samuel L. Jackson, Nick Cannon, Wesley Snipes, Angela Bassett, John Cusack, Jennifer Hudson e Teyonah Parris, que interpreta Lysístrata.
Através de um narrador, o público toma conhecimento do conto sobre duas gangues rivais: os espartanos, que vestem a cor roxa e são guiados por um rapper (Cannon), e os troianos, que vestem laranja e são conduzidos pelo austero Cyclops, com um só olho (Snipes).
Na coletiva após a projeção, o diretor falou sobre a polêmica em torno do filme, não só com relação ao tema e ao título, mas também quanto ao primeiro trailer, que não mede palavras comparando Chicago a uma zona de guerra.
“Acho que durante meses as pessoas julgaram o filme por causa do título e depois passaram a julgá-lo em dois minutos e meio de acordo com o trailer”, ponderou Lee, lamentando o fato.
“É uma pena que as pessoas tenham feito o julgamento dessa forma e ainda não entendam o que é sátira. Chi-Raq não é o primeiro filme da história do cinema americano a usar o tom satírico para lidar com um assunto sensível”, ressaltou, comentando que as coisas agora estão mais calmas.
“Na medida em que os espectadores assistam ao filme por inteiro, verão que trato o assunto delicamente”, afirmou.
Apesar de todo o alvoroço, Lee disse que Chi-Raq é um filme sério com um pouco de comédia e que foi projetado assim mesmo, para sacudir o status quo.
“Eu entendo que as pessoas de Chicago – inclusive o Prefeito – tenham ficado incomodadas com o filme, mas fatos são fatos. Nova York tem três vezes a população de Chicago, mas a cidade tem mais homicídios do que NY”, comparou.
Ele disse que seu objetivo é que o filme provoque discussões e diálogos para dar esperança aos jovens.
“Esperamos com este filme que as pessoas sejam honestas e parem de agir como se nada estivesse acontecendo. Não podemos ficar em silêncio quando estamos nos matando. Isso não é justo e é o que deveria importar. Estamos tentando lançar luz sobre o que está acontecendo”, concluiu Lee, que tem ido frequentemente ao Brasil para preparar seu próximo projeto “Go Brazil Go”, que está realizando sobre nosso país.