Myrna Silveira Brandão, de Berlim

“Todos os Mortos”, de Marco Dutra e Caetano Gotardo, foi o destaque deste domingo (23) para os brasileiros da 70ª edição da Berlinale, na qual participa da competitiva oficial. O filme foi muito bem recebido na concorrida sessão para a imprensa e à noite será mostrado em sessão de gala no Palácio dos Festivais.

O roteiro, assinado pela dupla, conta a trajetória de duas famílias: uma branca, os Soares, e outra negra, os Nascimento. Passados 11 anos da assinatura da Lei Áurea, a trama esboça um panorama da sociedade republicana em construção no Brasil, marcada pelas chagas da escravidão.

Dutra e Gotardo se conheceram há 21 anos ainda calouros do curso de Cinema da USP e construíram carreiras paralelas na última década com produções de terror e agora se unem para realizar o filme.

Ainda sem data de estreia no Brasil, o filme, concorrendo com outros 17 títulos, tenta repetir as vitórias conquistadas por “Central do Brasil”, em 1998, e “Tropa de Elite” em 2008, que saíram de Berlim com o Urso de Ouro debaixo do braço.

A última vez que o Brasil concorreu foi em 2017 com “Joaquim”, de Marcelo Gomes.

“O processo do filme foi longo: começamos a escrever em 2013. Mas estamos muito felizes de estreá-lo na competição da Berlinale ao lado de nomes como Tsai Ming-Liang e Abel Ferrara, é um privilégio. Além disso, somos parte de um grupo grande de brasileiros que está presente na seleção deste ano em suas diversas mostras. É um momento importante para a arte e para a cultura no Brasil e estarmos todos na Berlinale é uma demonstração da nossa força criativa”.

Cada um por sua vez, os diretores discorreram sobre a origem dessa história de época envolvendo memórias, passado e presente.

“Nós nos debruçamos sobre um período específico da história de São Paulo: os anos de 1899 e 1900. A ideia foi visitar essa época para investigar nela as origens de algumas relações e fraturas sociais que existem ainda hoje”, contou Dutra, complementado por Gotardo. “As personagens foram sendo criadas e recriadas aos poucos, a cada reescrita e, em especial, no contato com os atores, já quando estávamos perto de filmar”.

Quanto aos resultados que esperam dos espectadores, acham difícil prever reações, mas estão bastante otimistas.
“Estamos ansiosos para ver que diálogo ele vai criar com o público, em especial o brasileiro. É muito difícil prever a receptividade, mas felizmente esse contato já está acontecendo”, afirmou Dutra com a aquiescência de Gotardo.

Em um ano com tantas mudanças no festival, é difícil mesmo arriscar previsões quanto ao Urso de Ouro, mas é importante destacar que “Todos os Mortos” dialoga muito bem com o perfil da Berlinale e da mostra, marcada nesta edição pela diversidade e por produções que desafiam convenções.