Rodrigo Fonseca
Felliniano de cabo a rabo, o espetáculo teatral “Palhaços”, cerzido com delicadeza e requinte cenográfico pelo ator Alexandre Borges (como encenador), é uma ode à tradição circense e é, ao mesmo tempo, um teste para as múltiplas aptidões dramáticas e cômicas de Dedé Santana. Ele é a força motriz de uma narrativa escrita pelo dramaturgo Timochenco Wehbi (1943-1986) com foco nos bastidores do picadeiro, nas dores e angústias que se instauram quando a lona fecha. No Rio de Janeiro, o espetáculo está em cartaz no Teatro Clara Nunes, onde fica até 14 de abril. O eterno trapalhão, um são-gonçalense que nasceu numa família de artistas de circo, dá à sua memória de infância e juventude um uso lúdico na criação do palhaço Careta. Ás do riso, ele dedicou sua energia a fazer palhaçadas e viu parte (afetiva) de sua vida passar. Mas fez de seu ressentimento um arpão irônico, que arremessa na direção do jovem Benvindo (Fioravante Almeida), um vendedor de sapatos que aproveita uma abertura nas fundações do circo para entrar e brincar de artista. A conversa deles começa como uma reflexão sobre o que é fazer arte e descamba para um divã amoroso, no qual Benvindo pede conselhos ao palhaço. Mas este usa a história do rapaz para deixar vazar suas próprias recordações de amores frustrados em forma de fábula torta. Por ser uma peça sobre sobreviver e resistir, estes verbos são, por vezes, conjugados em desinências que transbordam as margens do humor e da beleza. Borges extrai toda a dor que delineia a solidão, mesmo num espaço de lirismo e alegria.