O documentário “Sur L’Adamant” conquistou o Urso de Ouro falando de ações de acolhimento de uma clínica fluvial que sociabiliza uma série de pacientes com distúrbios psiquiátricos

RODRIGO FONSECA
Acirradíssima, com 19 produções de diferentes países em disputa, a competição pelo Urso de Ouro de 2023 consagrou uma narrativa documental egressa da França e centrada num centro de atendimento a pacientes com distúrbios psiquiátricos: “Sur L’Adamant”, dirigido por Nicolas Philibert. Aos 72 anos, o realizador, conhecido no Brasil por “Ser e Ter” (2002), está na ativa desde 1978.
“Tem 40 anos que eu luto para que as narrativas documentais sejam celebradas como cinema e fico feliz de que isso tenha acontecido aqui, com esse prêmio”, disse o cineasta, agraciado ainda com uma menção honrosa do Júri Ecumênico.

A decisão de premiar essa experiência narrativa teve as bênçãos da atriz americana Kristen Stewart (de “Personal Shopper”, “Spencer”), que presidiu o júri oficial. As confabulações sobre quem deveria vencer foram feitas numa troca com as diretoras Valeska Grisebach (alemã) e Carla Simón (catalã); da produtora de elenco, atriz e produtora Francine Maisler (também dos EUA); da superestrela iraniana Golshifteh Farahani; e dos diretores Radu Jude (Romênia) e Johnnie To (Hong Kong). A primeira láurea anunciada por essa turma foi a de Melhor Contribuição Artística, atribuída à fotógrafa francesa Hélène Louvart por seu trabalho em “Disco Boy”, um explosivo olhar sobre o universo da Legião Estrangeira. Ao escolher o Melhor Roteiro, as juradas e os jurados foram fisgados pela releitura de a alemã Angela Schanelec fez do mito de Édipo Rei em “Music”, uma trama que vai da Grécia a terras germânicas falando de maternidade.
Numa cerimônia conduzida com precisão, Kristen e colegas concederam o Grande Prêmio do Júri para “Afire”, uma joia do alemão Christian Petzold, sobre um aspirante a escritor que se encanta por uma mulher misteriosa numa região assolada por incêndios. Existe ainda um Prêmio do Júri, que foi entregue a “Mal Viver”, drama português de João Canijo, centrado num grupo de mulheres que se esforçam para manter um hotel aberto, domando angústias do dia a dia. O longa forma uma espécie de díptico com “Viver Mal”, também centrado na hospedaria, mas da ótica dos hóspedes.

Philippe Garrel em clique do retratista Jens Koch

Ao avaliar quem deveria ganhar a láurea de Melhor Direção, Kristen Stewart e companhia se desmancharam pelo impecável trabalho de Philippe Garrel, por “Le Grand Chariot”, definido no Berlinale Palast como sendo “o coração mais jovem” da competição. O realizador põe suas filhas e filho para atuarem, na história de uma família de marionetistas. No palco, ele dedicou a vitória a Jean-Luc Godard, morto em 2022, num suicídio assistido. “Comecei a carreira em 1968, quando o mundo ainda não tinha distanciamento para entender o que se passava com a sociedade politicamente”, disse Garrel ao Correio.
Nos últimos dois anos, não foram consideradas distinções de gênero entre melhor ator e melhor atriz na maneira como a Berlinale avalia o elenco de seus filmes. O festival optou por duas categorias diferentes: Melhor Interpretação Protagonista e Melhor Coadjuvante. Kristen embarcou na ideia. A primeira láurea foi dada a Sofia Otero, pela produção espanhola “20.000 Espécies de Abelhas”, no qual vive uma criança em transição em sua identidade. A segunda coube a Thea Ehre, por sua estonteante atuação em “Till The End Of The Night”, sobre uma mulher trans envolvida com o submundo das drogas.

Deu México na cabeça na disputa pelo prêmio de documentários, com a vitória do badalado “El Eco”, da mexicana Tatiana Hueso, foi laureada com o Prêmio de Melhor Documentário, que conta com um júri diferente daquele que concede o Urso de Ouro. Sua lírica narrativa se passa num vilarejo mexicano que parece parado no tempo, castigado pelo frio e por secas, no qual jovens cuidas de suas avós, assim como tomam conta de rebanhos carentes de melhores condições. É uma metáfora entre a natureza humana e a vida animal. Sem longas na competição oficial, o Brasil conquistou o prêmio especial do júri da mostra Generation 14Plus com o curta-metragem “Infantaria”, de Laís Santos Araújo.
Com o fim da Berlinale começam as especulações acerca do Festival de Cannes, agendado de 16 a 27 de maio, na França.

LISTA DE PRÊMIOS

URSO DE OURO: “Sur L’Adamant”, de Nicolas Philibert
GRANDE PRÊMIO DO JÚRI:
“Afire”, de Christan Petzold
PRÊMIO DO JÚRI:
“Mal Viver”, de João Canijo”
MELHOR DOCUMENTÁRIO:
“El Eco”, de Tatiana Huezo, com menção honrosa para “Orlando, Ma Biographie Politique”, de Paul B. Preciado
MELHOR DIREÇÃO:
Philippe Garrel, por “Le Grand Chariot”
MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL PRINCIPAL:
Sofia Otero, por “20.000 Espécies de Abelhas”
MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL COADJUVANTE:
Thea Ehre, por “Till The End Of The Night”
MELHOR ROTEIRO:
Angela Schanelec, por “Music”
MELHOR CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA:
Hélène Louvart, pela fotografia de “Disco Boy”
MELHOR FILME DA MOSTRA ENCONTROS:
“Here”, de Bas Devos; seguido por um duplo Prêmio Especial do júri para “Samsara”, de Luis Patiño, e “Orlando, Ma Biographie Politique”, de Paul B. Preciado, e uma láurea de direção para Tatiana Huezo (por “El Eco”)
MELHOR FILME DE ESTREIA:
“Adentro Mío Estoy Bailando”, de Paloma Schachmann e Leandro Koch, com uma menção honrosa para “The Bride”, de Myriam U. Birara
MELHOR CURTA:
“Les Chenilles”, de Michelle e Noel Keserwany
PRÊMIO ESPECIAL DE CURTA:
“Dipped in Black”, de Matthew Thorne e Derik Lynch, com menção honrosa para “It’s a Date”, de Nadia Parfan
PRÊMIO DA CRÍTICA:
“The Survival of Kindness”, de Rolf de Reer
PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO: “Totém”, de Lila Avilés
TEDDY: “All The Colours Of The World Are Between Black and White”, de Babatunde Apalowo (ficção) e “Orlando, Ma Biographie Politique”, de Paul Preciado (documentário)