Cinema

Eliza Capai: “Meu filme é para os estudantes”

Por Laboratório Pop

Myrna Silveira Brandão

Muito prestigiada em Berlim, a diretora Eliza Capai recebeu um elogio significativo da organização do Festival no anúncio da seleção do seu filme, “Espero tua (re) volta”, para a grade do evento. “O trabalho altamente político de Capai torna-se mais relevante a cada dia que passa”, destaca o documento da Berlinale.

“Espero tua (re) volta” foi selecionado para a Geração, mostra destinada aos jovens. E não é coisa pouca: das 2.500 inscrições recebidas, foram selecionados 62 títulos.

Seu novo filme – que teve première neste sábado (9) em sessão de gala para o público – é um documentário sobre o episódio ocorrido em 2015 quando várias escolas em São Paulo foram programadas para serem fechadas como resultado do agravamento da crise sócio-política. Os estudantes ocuparam prédios públicos em um ato sem precedentes.

Capai mostra o desenvolvimento dos protestos de muitas vozes, utilizando trechos de notícias, entrevistas e gravações feitas com câmeras de celular de ativistas.

Realizadora independente que foca sua obra em assuntos sociais, a documentarista é especialmente interessada em ampliar vozes de setores marginalizados da sociedade a fim de buscar empatia com as audiências como expressou na entrevista que deu ao LABORATÓRIO POP sobre a seleção na Berlinale e a motivação para fazer o filme.

“A primeira motivação foi entender como aqueles meninos – crescidos nas periferias e guetos, com um ensino de pouca qualidade, em escolas que em geral pouco motivam o pensamento crítico e a organização enquanto grupos sociais de luta – haviam conseguido protagonizar um movimento tão expressivo, que culminou com mais de 200 escolas ocupadas e a revogação da reorganização escolar. Quem são eles? Como isto aconteceu? Como eles estão hoje? Estas foram algumas das perguntas iniciais”, revela.

Eliza continua contando que, após se debruçar nas pesquisas, surgiram dois outros pontos:

“Um se refere a como as lutas secundaristas muitas vezes se perdem dentro das escolas, já que a cada três anos se inicia uma nova geração de estudantes. Olhando isto, tive vontade de deixar um registro de como foi feita a luta, quais foram os passos dela, de onde vierem as ideias, quais foram os problemas que surgiram no caminho, quais as consequências, positivas e negativas, para os jovens envolvidos. Isto foi possível graças ao importante material de arquivo de documentaristas que acompanharam e adentraram nas ocupações de 2015. Ao mesmo tempo, tive vontade de investigar e provocar sobre o que significam as lutas sociais para as sociedades e como isto não é, em geral, debatido em nossas escolas e sociedade de forma mais ampla. O objetivo é levar a um público mais amplo – aquele que acompanha as lutas estudantis – novos olhares sobre o tema, o provocando e levando-o a refletir”.

A diretora não tem dúvidas que a melhor estreia para “Espero tua (re) volta” é na mostra Geração do Festival de Berlim,

“Ter sido selecionada foi uma enorme alegria. O filme foi pensado para comunicar com um público jovem, então esta estreia com uma plateia e júri adolescentes é tê-lo, logo de saída, chegando ao seu público-alvo. E lançar um filme com este nome, com protagonistas que ocupam suas escolas e fecham avenidas como estratégias de luta por uma melhor escola pública – e neste momento em que vivemos no país de criminalização dos ativismos por grandes setores da sociedade – é um grande desafio”, diz complementando.

“Para mim, é uma emoção exibir o documentário, que reflete, a partir do movimento estudantil, sobre a guinada brasileira à direita, em uma cidade com a história de Berlim. Será minha primeira vez como realizadora em um festival deste porte e estou superfeliz! E para o filme estrear na Berlinale é como receber um carimbo”, afirmou.

Ao final, expressou o que espera desse jovem e engajado público em Berlim.

“Depois de tanto tempo criando esta história – dirigindo, montando, roteirizando – abri-la para o mundo é um momento muito mágico. É o momento em que tento parar de controlar as coisas, e viro também espectadora. Estou animada e emocionada que o início desta aventura seja na Geração, com toda a carga histórica que traz”.

A diretora concorre ao prêmio Glashütte de melhor documentário e, considerando o forte viés político do festival, tem chances de sair daqui com o troféu debaixo do braço.