Rodrigo Fonseca
Bagulhão é um cara bacana, daqueles de fala manda, de topas todas, de vestir o manto dos rubro-negros como se fosse uma batina de fé, de abraçar quem precisa de abrigos. Bagulhão trabalha como porteiro em um prédio de grã-finos onde brinca de Grande Otelo numa (quase desproposital) evocação às chanchadas dos anos 1940 e 50, na peça “Em Busca Do Par Perfeito”. O texto está em cartaz todas as sextas, no Teatro Vannucci, no Shopping da Gávea, às 19h. Mas, ao contrário do que o título sugere, perfeição é algo que passa longe desse herói pícaro do subúrbio carioca. Pertencente a uma linhagem que passa por João Grilo e Pedro Malasartes, Bagulhão é aberto tudo, menos à diversidade sexual, graças à miopia sexista que se deposita como cabresto em seus olhos. No texto escrito e dirigido por Brunno Rodrigues, encenado por uma trupe cheia de gás, num clima de musical subtropical, Bagulhão vai passar por um périplo de afetos a fim de se libertar de sua própria intolerância. E não é só ele quem vai viajar na direção contrária de seus próprios ranços, assombrado pela urubuzada figura de um síndico metido a pastor (Alexandre Oliveira). Uma série de moradores, a começar do estudante de Medicina e aspirante a estrela em shows numa boate LGBTQ+ Gabriel (Driko Lima), vão ter que suar a camisa em busca da afirmação de seu desejo, de uma vivência livre. Partindo de uma série de canções e coreografias que brincam com um cancioneiro pop, com paráfrases de hits que lembram Madonna e Bonnie Tyler, o espetáculo vai deslindando hipocrisias institucionalizadas e abrindo brechas morais: racismo, homofobia, segregação por $ e transfobia vão sendo atacados cena a cena. O pano de fundo chargístico, com referências à “água podre” do Rio de Janeiro de janeiro/fevereiro de 2020, torna o texto ainda mais urgente. O grande destaque do elenco é Gabi Freitas, numa hilária composição de Lady Favela, dona de um Studio 54 de periferia, que se vê às voltas com um possível cerrar de portas. Sua luta azeita o tom de conflito de uma comédia que parece gincana e diverte em sua fome de descoberta. Destaque técnico para as coreografias de luta de Alex Basílio e aplauso extra para o desempenho de Sidney Ortega como Paulo Power.