Rodrigo Fonseca
É dia de “Bacurau” no Festival de Cannes, mas há um outro filme brasileiro escalado para mexer com os brios emotivos da Côte d’Azur nesta quarta-feira: exibido em 33 mostras do audiovisual pelo mundo afora e laureado com 15 prêmios, o delicadíssimo “Antes que eu mês esqueça”, produção com dedos e afetos de Carlos Saldanha (“A Era do Gelo”), estrelada por José de Abreu, com o trapalhão Dedé Santana no elenco, vai ser projetada hoje no Marché du Film. A direção é de Tiago Arikilian. “É um filme sobre lucidez e sobre novas formas que as famílias buscam para lidar com os parentes que estão perdendo o controle da própria memória”, diz Arakilian, que delineou o projeto em forma de comédia de tintas dramáticas
Desde o fim de 2017, o longa-metragem vem circulando por mostras internacionais classe AA onde nem filmes latino-americanos de cacife autoral têm vez. Elementos recorrentes nas ficções nacionais exibidas lá fora (como tensões da nova classe média, guerra de tráfico em favela, Era Lula, política indigenista ou mazelas sertanejas) passam longe da trama Arikilian. Apesar disso, seu roteiro, sobre um juiz, o severo Polidoro (José de Abreu), que compra um bordel falido, atraiu a simpatia de Carlos Saldanha, animador indicado ao Oscar que dirigiu sucessos como “A Era do Gelo” e “Touro Ferdinando” – ele gostou tanto do script que resolveu ser seu produtor-executivo e consultor. O ímã que atrai olhares e elogios para esta (bela) dramédia é a relação pai e filho. Relação vista pelo prisma da memória e de seu inimigo, o Alzheimer.
“Depois de ter viajado para mais de 30 festivais pelo mundo, estar em Cannes é um privilégio que vem para coroar nosso filme. Nesta terça, teremos nossa merecida exibição no Marché du Film e já tivemos muitos pedidos de compradores de todo o mundo. É muito interessante que o mundo esteja interessado em um filme brasileiro que construiu uma carreira independente nos festivais e o Brasil mal saiba que o filme existe”, diz o cineasta. “O cinema brasileiro precisa se expor pro mundo. Os compradores estão ávidos por produtos brasileiros e não tem ninguém aqui vendendo.
Na tela, o protagonismo de seu filme entre José de Abreu e Danton Melllo. De um lado, há um pai juiz que resolve investir suas rendas em um bordel; do outro, um filho pianista clássico que rompeu laços com a figura paterna. Uma reaproximação entre eles começa quando Polidoro entra de sócio em um prostíbulo falido, que ele repagina, transformando num piano bar para a terceira idade.
“Tem uma frase no roteiro em que o Polidoro reclama do quanto é duro ter a consciência de perder a própria memória. Essa discussão vem da minha infância: quando eu era garoto, minha mãe tinha uma casa de repouso em São Paulo, onde eu jogava xadrez com pessoas bem mais velhas. Um deles lutou a II Guerra e me contava sempre a mesma história. Essa repetição vem da perda da lucidez”, diz Arakilian, que arranca uma divertida atuação de Guta Stresser como a garota de programa Joelma.
Entre os frequentadores do bordel de Polidoro, há um aposentado danadinho, Gregório, papel confiado ao eterno trapalhão Dedé Santana. A presença do comediante tem sido um dos chamarizes de “Antes que eu me esqueça” em mostras no Brasil. “Dirigir o Dedé foi um presente para alguém da minha geração que cresceu tendo os trapalhões como ídolos. Esperávamos todas as férias pelo filme deles. O Dedé foi um companheiro, grande parceiro do filme. Fico muito feliz de ter feito essa homenagem a ele também”, diz Arakilian, que contou com o aporte da Fox, megaestúdio de Hollywood, para distribuir seu filme graças à ajuda de Saldanha, interessado hoje também em projetos sem animação. “Minha roteirista, Luisa Parnes, que mora nos EUA procurou ele com o projeto e ele ficou emocionado. Ele trouxe a Fox, levou o montador Quito Ribeiro para a edição e viu vários cortes que montei. A ideia era falar da memória pelo afeto”.
p.s.: No dia 21 de maio, em Paris, na Salle Grad Action, a lendária revista Positif organiza uma projeção em tons de homenagem de “Batman, o retorno” (1992), considerado por muitos a obra-prima de Tim Burton, numa projeção seguida de debate com Pierre Eisenreich.