RODRIGO FONSECA
Deu Fernanda Torres na cabeça na disputa pelo Globo de Ouro de Melhor Atriz de Drama de 2025, nos EUA, por seu desempenho em “Ainda Estou Aqui”, o maior sucesso comercial brasileiro do ano passado, com 3 milhões de ingressos vendidos (até agora). Sua interpretação da advogada e ativista Eunice Paiva (1932-2018) arrebatou uma das mais longevas (e mais prestigiosas) premiações do cinema, reconstituindo o combate à tortura praticada pelo Estado nos tempos de ditadura militar, de 1964 a 1985. Ao ter seu nome anunciado por Viola Davis, ela dedicou seu feito à sua mãe, a diva Fernanda Montenegro, que encarna Eunice em idade mais avançada. As duas foram dirigidas por Walter Salles, já respeitado nos EUA por “Central do Brasil” (1998).
“É um filme que nos ajudou a sobreviver a tempos difíceis”, disse Fernanda no palco.
O longa de Salles também estava em concurso, na categoria de Melhor Filme de Língua Não Inglesa, mas perdeu para o representante da França. Sintonizado com o debate sobre disforia de gênero e com as denúncias contra o narcotráfico, o francês “Emilia Pérez”, dirigido pelo parisiense Jacques Audiard (mas falado e, sobretudo, cantado em espanhol) foi “O” eleito na seara dos títulos estrangeiros. Ganhou ainda o Globo de Melhor Comédia/ Musical.
Na seleção do Melhor Filme de Drama, “O Brutalista” (“The Brutalist”) sagrou-se vitorioso. Foi agraciado ainda com troféus de Melhor Direção, dado Brady Corbet, e Melhor Ator, confiado a Adrien Brody. Trata-se de um esplendoroso painel histórico (de 3h e meia) sobre o calvário de um arquiteto húngaro (Brody) na América do pós-Guerra.
Realizada no Beverly Hilton Hotel, na Califórnia, a cerimônia da Golden Globe Foundation foi comandada (sem graça alguma) pela comediante Nikki Glaser. Teve transmissão em português pela TNT e pela plataforma MAX. A noite foi aberta com a consagração de Zoe Saldaña como Melhor Coadjuvante pelo já citado “Emilia Pérez”, que abriu o Festival do Rio em outubro.
Antes, em Cannes, Audiard fez sua primeira exibição mundial na disputa pela Palma de Ouro, de onde o realizador saiu com o Prêmio do Júri pela saga de um chefão do tráfico do México, chamado Manitas, que transiciona e assume identidade feminina, renascendo como Emilia. O papel é da espanhola Karla Sofía Gascón, que saiu da Croisette com um prêmio coletivo de atuação feminina compartilhado com Adriana Paz, Selena Gomez e Zoe. Com 1.072.475 ingressos vendidos em sua pátria natal, o longa deixou Beverly Hills ainda com o prêmio de Melhor Canção, dado a “El Mal”.
Depois de passar pelo Natal e pelo Réveillon lotando salas, com um faturamento de US$ 681 milhões, “Wicked”, baseado no fenômeno homônimo da Broadway ganhou o Globo de Melhor Blockbuster, categoria que nasceu em 2024, a fim de reverenciar títulos que reataram a relação das plateias com as salas de projeção. Sua venda de ingressos segue intensa até hoje.
Um dos pontos mais tocantes do Globo de Ouro foi o discurso de Demi Moore ao sair vitoriosa da competição de Melhor Atriz de Cômica por um… filme de terror – e que filme! Hoje no ar na MUBI, “A Substância” revitalizou a fama da estrela de “Ghost”. Ela surpreendeu plateia ao viver uma estrela decadente que se submete a um experimento com uma fórmula química a fim de reaver sua juventude.
“Achava que já havia feito tudo o que tinha para fazer quando me chegou esse roteiro fora da caixinha”, disse Demi, cujo cacife muda de patamar depois de sua aclamação com o body horror de Coralie Fargeat.
Outrora, acreditava-se que quem ganhava o Globo de Ouro seria oscarizado automaticamente, mas a História questionou esse postulado. Votações dos sindicatos de Hollywood, sobretudo o Screen Actors Guild (SAG) e o Producers Guild of America (PGA), têm mais peso, pois refletem o gosto de quem (de fato) vota na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA, que anuncia seus concorrentes no próximo dia 17. Apesar disso, o Globo, concedido desde 1944 por correspondentes da imprensa estrangeira em solo hollywoodiano, continua a ser encarado como chancela de prestígio, por alargar a visibilidade de títulos em circuito comercial, elevando sua receita numa temporada de premiações que termina no dia 2 de março, com a festança da Academia. Até lá, muitos longas-metragens vão mobilizar o circuito, cercados de potenciais favoritismos. A conquista do Globo dourado vai ajudar muitos, ao arrebatar holofotes para as/os vitoriosas/os, como é o caso de Sebastian Stan, o Soldado Invernal de “Os Vingadores”, que arrebatou o Globo de Melhor Ator Cômico no papel de aspirante a ator que se transforma facialmente.
A consagração dele flerta com a dimensão inclusiva do evento americano, que reforça o árduo esforço de sua organização para espantar demônios que assombraram o troféu quando este era oferecido pela Hollywood Foreign Press Association (HFPA), inaugurada em 1943. A primeira cerimônia em que a láurea foi concedida ocorreu há 81 anos, no estúdio 20th Century Fox, de olho nos magnatas da indústria. Seu primeiro vencedor foi “A Canção de Bernardette”, que venceu nas disputas de Melhor Filme, Direção (Henry King) e Atriz (Jennifer Jones). O troféu, caracterizado por uma reprodução da esfera terrestre rodeada por uma película de filme cinematográfico, teve vários designers ao longo das últimas oito décadas. A versão distribuída atualmente pesa cerca de 3,5 quilos. É feita de latão, zinco e bronze, e mede 11,5 polegadas, acoplando-se a uma base retangular, vertical, de notável elegância. De 1950 até 2022, guerras internas – de egos e de condutas profissionais questionadas em parâmetros éticos – quase levou a festa de entrega dessa estatueta à extinção, sob a acusação de abusos de poder, falta de representatividade (das populações negras, asiáticas, indígenas) e sexismo. A ameaça de cancelamento reinou sob as cabeças da HFPA até uma revitalização, em 2023, o que deu ao contingente de profissionais de mídia envolvidos em sua realização (334 jornalistas, de 85 países) a chance de recomeçar, alinhada com os pleitos urgentes da contemporaneidade. Daí o simbolismo da homenagem prestada à já citada atriz Viola Davis, recipiente do o troféu honorário Cecil B. DeMille. Foi contemplada com tal honraria não só pela potência de seus feitos como atriz, mas pelo simbolismo que sua luta antirracista e seu engajamento em causas feministas.
Um tônus sociológico mobilizou a festa na vitória de Kieran Culkin como Coadjuvante em “A Verdadeira Dor”, que estreia aqui no dia 30, após concorridas projeções no Festival do Rio. O astro de “Succession” encarna um suicida que se recupera de suas ideações mortíferas numa viagem pela Polônia, onde visita locais assombrados por expurgos nazistas.
Coube à dupla Elton John e Brandi Carlile anunciar os nomes de Trent Reznor e Atticus Ross como donos do Globo de Melhor Trilha sonora por “Rivais” (“Challengers”), do italiano Luca Guadagnino. Caetano Veloso tem uma canção no longa: “Pecado.
Ao escolher os ganhadores dos Globos de TV ou streaming, a massa votante elegeu “Xógum: A Gloriosa Saga do Japão” e “Hacks” como seus queridinhos.
VITÓRIAS
DRAMA
Melhor Filme: “O Brutalista”
Melhor Atriz: Fernanda Torres (“Ainda Estou Aqui”)
Melhor Ator: Adrien Brody (“O Brutalista”)
COMÉDIA/ MUSICAL
Melhor Filme: “Emilia Pérez”
Melhor Atriz: Demi Moore (“A Substância”)
Melhor Ator: Sebastian Stan (“Um Homem Diferente”)
Conquista Cinematográfica e Bilheteria: “Wicked”
Série de Drama: “Xógum: A Gloriosa Saga do Japão”
Série de Comédia: “Hacks”
Direção de longa-metragem: Brady Corbet (“O Brutalista”)
Atriz Coadjuvante: Zoe Saldaña (“Emilia Pérez”)
Ator Coadjuvante: Kieran Culkin (“A Verdadeira Dor”)
Roteiro: Peter Straughan (“Conclave”)
Animação: “Flow”, de Gints Zilbalodis
Filme de Língua Não Inglesa: “Emilia Pérez”
Trilha sonora: Trent Reznor e Atticus Ross (“Rivais”)
Canção Original: “El Mal” (“Emilia Pérez”)