Existe um tipo de cinema que não precisa gritar para provocar tensão. Ele sussurra, inquieta, desliza pelos cantos escuros da mente e se demora onde o silêncio mora. Holland, novo longa de Mimi Cave estrelado por Nicole Kidman, é exatamente isso — uma experiência em que o suspense se instala não nos gritos, mas nos detalhes.
O filme, lançado no finzinho de março de 2025 no Amazon Prime Video após sua estreia no SXSW, é uma joia estranha e estilizada, que deve muito de seu charme às influências visíveis de Stanley Kubrick e David Lynch.
Kidman vive Nancy Vandergroot, uma mulher religiosa e aparentemente exemplar da cidade de Holland, Michigan. Ao desconfiar de uma possível traição do marido (Matthew Macfadyen, impecavelmente contido), ela mergulha em uma jornada de investigação que logo assume contornos inesperados — quase surrealistas — ao lado de seu colega de trabalho, interpretado por Gael García Bernal.
O que começa como um drama doméstico se transmuta em algo muito mais psicológico. A câmera de Cave capta os corredores da casa com uma frieza geométrica digna de O Iluminado. Cada enquadramento parece cuidadosamente composto para ampliar a sensação de claustrofobia e controle. As cores são soturnas, mas os ambientes permanecem meticulosamente organizados — uma ordem visual que só aumenta o desconforto quando o caos emocional começa a escorrer pelas frestas.
É impossível não pensar em David Lynch, especialmente em Veludo Azul ou Cidade dos Sonhos, quando o roteiro flerta com o absurdo e brinca com a dualidade entre a fachada moral da vida suburbana e o abismo interior dos personagens. O que é real? O que é alucinação? Holland não oferece respostas fáceis — e esse é seu triunfo. A atmosfera onírica, às vezes quase paródica, carrega um humor seco e nervoso, que reforça o estranhamento.
Nicole Kidman está luminosa e vulnerável, explorando com precisão a fronteira entre o comportamento domesticado e os desejos inconfessáveis. Sua personagem é uma mulher à beira — não de um colapso histérico, como os clichês sugeririam — mas de uma libertação perturbadora. É uma performance que exige tempo e atenção, e que recompensa quem estiver disposto a escutar seus silêncios.
Embora o filme tenha dividido a crítica em seu lançamento, Holland merece ser assistido como quem observa uma pintura se desconstruir aos poucos. Pode não agradar a todos, mas está longe de ser um thriller tradicional. É uma experiência sensorial, inquieta, com ecos de grandes mestres, que prova que ainda é possível fazer suspense no cinema com inteligência, estética e estranhamento.
No fim das contas, Holland não busca o susto — ele deseja algo mais duradouro: o incômodo que permanece mesmo depois dos créditos finais.