RODRIGO FONSECA
Polemista profissional, o cineasta sueco Ruben Östlund, presidente do júri do Festival de Cannes de 2023 anunciou com gosto o nome de “Anatomie d’Une Chute”, de Justine Triet (um filmaço!!!), para ser lembrado ao longo da História como o ganhador da Palma de Ouro deste ano. A decisão fez jus ao espírito pluralista de seu júri. Justine é uma realizadora em ascensão desde “Sybil” (2019) e esbanja talento ao narrar um thriller judicial em que uma escritora (Sandra Hüller) é esmagada por toda a sorte de sexismos ao se defender da acusação da morte de seu marido, também romancista. É a terceira vez que uma realizadora ganha a Palma. Antes de Triet vieram Julia Ducournau (em 2021, por “Titane”) e Jane Campion (em 1993, por “O Piano”). Foi um resultado impecável, uma vez que se trata de um longa adequadíssimo às novas estéticas de narrativas de crime.
Ganhador de duas Palmas – a de 2017, dada a “The Square: A Arte da Discórdia” e a do ano passado, dada a “Triângulo da Tristeza” –, Östlund conduziu as deliberações do júri sem ter o consenso como foco. Com ele, havia um time de juradas e jurados composto por duas estrelas hollywoodianas – Brie Larson, a Capitã Marvel, e Paul Dano, o Charada -; pelo astro da hora na França – Denis Ménochet, hoje em cartaz no Brasil em “Beau Tem Medo” -, pelo escritor franco-afegão Atiq Rahimi; e cineastas das mais variadas nacionalidades (Julia Ducournau, da França; Rungano Nyoni, da Zâmbia; Maryam Touzani, do Marrocos; e Damián Szifron, da Argentina). A vontade deles como um coletivo se fez valer na escolha de Tran Anh Hùng para receber a láurea de Melhor Direção pelo filme “La Passion De Dodin Bouffant”. Trata-se de um mergulho na França do século XIX a partir de uma trama de amor e culinária, com o ex-casal Juliette Binoche e Benoît Magimel. Uma vez mais a coletividade coroou a ousadia ao definir “Monster”, de Hirokazu Kore-eda, como ganhador da láurea de Melhor Roteiro.
No pódio de Cannes, o segundo lugar leva o Grande Prêmio do Júri e o terceiro, o Prêmio do Júri. Esses troféus foram entregues respectivamente a “The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer, e a “Fallen Leaves”, de Aki Kaurismäki.
Na seleção dos prêmios de interpretação, a Melhor Atriz foi para Merve Dizdar, pelo longa “Les Herbes Sèches”, da Turquia; e o Melhor Ator foi Koji Yakusho, por “Perfect Days”, que rendeu ainda o Prêmio do Júri Ecumênico a Wim Wenders.
Duas outras láureas relevantes, decididas por júris paralelos (e independentes ao de Östlund) foram anunciadas na Croisette. Primeiro veio a de Melhor Curta, dado a “27”, de Flóra Ana Buda (da Hungria). Depois veio a Caméra d’Or, troféu dedicado a estreantes, que foi para as mãos do vietnamita Thien Na Pham, por “Inside The Yellow Cocoon Shell”.
Neste sábado, foi entregue ainda o troféu L’Oeil D’Or de Melhor Documentário, que foi para a Tunísia, via “Les Filles d’Olfa”, de Kaouther Ben Hania, em empate com “La Mère De Tous Les Mensonges”, da marroquina Asmae El Moudir. Ambos exploram a relação da maternidade em culturas de ascendência islâmica com crises políticas.
Na Semana da Crítica, o longa “Levante”, de Lillah Halla, recebeu o Prêmio da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica, que coroou a ousadia da cineasta paulista em falar de aborto a partir da jornada de sucesso de uma jogadora de vôlei. O trabalho da atriz Ayomi Domenica Dias é sua força motriz. Já o longa luso-brasileiro “A Flor do Buriti”, de ReneéNader Messora e João Salaviza, rendeu um troféu coletivo para seu elenco de estrelas indígenas.
Encerrada a competição de Cannes, finalizada pela projeção do novo longa animado da Pixar + Disney (“Elementos”), as atenções do planisfério cinéfilo agora se voltam para o Festival de Locarno, na Suíça, agendado de 2 a 12 de agosto, com o ator Lambert Wilson em seu júri e homenagem ao conjunto da carreira do diretor californiano Harmony Korine (do cult “Spring Breakers”).
PRÊMIOS DE CANNES 2023
PALMA DE OURO: “Anatomie d’Une Chute”, de Justine Triet
GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: “The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer
PRÊMIO DO JÚRI: “Fallen Leaves”, de Aki Kaurismäki
CURTA-METRAGEM: “27”, de Flóra Ana Buda, com menção honrosa para “Intrusion”
DIREÇÃO: Tran Ahn Hùng, por “La Passion de Dodin Bouffant”
ATRIZ: Merve Dizdar, por “Les Herbes Sèches”
ATOR: Koji Yakusho, por “Perfect Days”
ROTEIRO: Sakamoto Yuji, por “Monster”
CAMÉRA D’OR (MELHOR FILME DE ESTREIA): “Inside The Yellow Cocoon Shell”, de Thien Na Pham
PRÊMIO DA CRÍTICA FIPRESCI: “The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer; “Levante”, de Lillah Halla; “Los Colonos”, de Felipe Galvez
PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO: “Perfect Days”, de Wim Wenders, com menção honrosa para “The Old Oak”, de Ken Loach
TROFÉU L’OEIL D’OR DE MELHOR DOCUMENTÁRIO: “Les Filles d’Olfa”, de Kaouther Ben Hania, em empate com “La Mère De Tous Les Mensonges”, de Asmae El Moudir
QUEER PALM: “Monster”, de Hirokazu Koreeda.