Rodrigo Fonseca
Num momento histórico crucial de virada para a representação das populações negras nas mais variadas telas, a partir de autorretratos e de reflexões sobre o ranço histórico das segregações raciais, uma cartografia de uma periferia francesa lotada de afrodescendentes de distintas origens inflama debates no 72º Festival de Cannes e arrebata merecidos elogios por sua engenharia narrativa. Entre os filmes já exibidos na briga pela Palma, um longa de ficção capitaneado por um jovem documentarista de descendência africana da França vem se destacando em resenhas nas mais variadas linguas: Ladj Ly é o cineasta; “Les Misérables” é seu filme… um filmaço para muitos. É uma releitura dos motes sociais do romance homônimo de Victor Hugo, transportado para os subúrbios da Paris dos dias de hoje. Na trama, um trio de policiais liderados pelo abusivo Chris (Alexis Maneti) gera uma onda de brutalidade entre jovens de um bairro majoritariamente negro, povoado por muçulmanos e ciganos, ao agredir um garoto que, numa brincadeira, roubou um filhote de leão de um circo. Um drone é testemunha dos atos agressivos de Chris e traduz a visão de Ladj em buscar uma visão fluída, com múltiplos pontos de vista, dos desajustes urbanos da França pobre. Sua discussão sobre novas formas de apartheid não sai das rodas de conversa da cidade, espalhando sociologia pela Croisette. É Foucault na veia: “Vigiar e punir”.

Um dos destaques da programação do festival nesta quinta vem do Peru: “Canción sin nombre”, de Melina León, atração da Quinzena dos Realizadores. Baseado em fatos reais, esta trama fotografado em P&B aborda a luta de uma jovem peruana dos anos 1980 para reaver sua bebê recém-nascida com a ajuda de um jornalista.

Nesta quinta-feira, a competição segue com “Atlantique”, da cineasta Mati Diop, e com o novo trabalho do ganhador de duas Palmas Ken Loach, do Reino Unido: “Sorry we missed you”. Mas a atração principal do dia é a passagem de Elton John pela Croisette, para a pré-estreia de gala de “Rocketman”, de Dexter Fletcher, releitura da trajetória de sucessos e fracassos do cantor.