RODRIGO FONSECA
2023 consagrou uma biopic como dos mais retumbantes sucessos da História, e um dos filmes mais inquietos do cinema do século XXI – o brilhante “Oppenheimer”, de Christopher Nolan -, e está a um passo de provar de algo parecido no Brasil com um título do mesmo filão: a micareta dionisíaca “Meu Nome É Gal”. É praxe das cinebiografias vermos atuações titânicas que ofuscam todo o coletivo das produções a que se reportam, vide longas recentes tipo “Bohemian Rhapsody” (2018) e “Rocketman” (2019). É da natureza desse tipo de narrativa pop a aposta em interpretações miméticas, numa linha “santo que baixa”. Não há dúvia de que a destreza de valquíria de Sophie Charlotte é titânica. Mas há em sua performance algo além do mimético, da mesma forma como Cillian Murphy faz (de forma colossal) no épico de Nolan sobre o Prometeu moderno. É algo de maduro, de ousado, sem qualquer fórmula prévia. É pesquisa. É também doação. Qual Cillian, ela não nos entrega uma Gal arquetípica. Ela vai na veia do zeitgeist da América Latina tropicalista que funda a cantora como militante, transgressora e ícone. O furação Charlotte puxa em sua ventania uma direção nada formalista de Dandara Ferreira e de Lô Politi. Ao narrar a saída de Gal da Bahia e seu arranque de carreira, de 1966 a 1971, as duas diretoras fogem de qualquer padrão moralista de paladino, tão comum às tramas biográficas e se deleitam nas zonas cinzas de sua biografada – e do país. A fotografia de Pedro Sotero – em maturação plena depois de “Vermelho Sol” – é uma aliada valiosa nisso, tal qual a intervenção atômica de George Sauma como Wally Salomão. Resultado: um filme pra não se esquecer, amparado por duas cineastas cheias de gana (e sem travas), cientes de que Sophie é foda. O filme todo é. Desculpe a sinceridade.

Tem mais duas projeções do longa engatilhadas no Festival do Rio: uma é na segunda, no Reserva Cultural 1, às 21h; a outr é na terça, 19h, no Kinoplex São Luiz.