RODRIGO FONSECA
Grife autoral responsável por eternizar alguns dos mais tensos momentos da dissolução do estado iugoslavo, Emir Kusturica já não filma tanto quanto fazia nos anos 1980 e 1990, fase de “Arizona Dreams” (1993) e “Vida Cigana” (1988). Hoje, a atenção do realizador sérvio se concentra mais na feitura de uma micareta de música e cinema: o Festival de Küstendorf. Sua edição de número 17 começa na tarde desta terça-feira, sob um severo frio de -4 graus.
Eterna aposta da Itália na consolidação de diálogos com uma indústria de entretenimento autoral, Matteo Garrone, cineasta laureado no último Festival de Veneza por “Io, Capitano” (“Eu, Capitão”), é um dos convidados de honra. O longa que rendeu a ele o Leão de Prata veneziano (de Melhor Direção) vai ser o filme de abertura do recorte curatorial feito por Kusturica para as sessões de Küstendorf. O longa concorreu ao Urso de Ouro, em janeiro.

Além de ter coroado a excelência de Garrone no comando do set, “Io Capitano” recebeu de Veneza o troféu Marcello Mastroianni de Melhor Estrela Revelação (para Seydou Farr) e mais dez prêmios de júris paralelos. Farr vive um adolescente senegalês de 16 anos que se junta a seu primo de mesma idade, Moussa (Moustapha Fall) numa jornada de Dakar para a Sicília, em busca de uma vida melhor. Passa por toda a sorte de percalços para isso, encarando um deserto escaldante, tropas armadas e barcos lotados. É uma narrativa tensa, mas comovente. É o que instiga Kusturica.
“Gosto muito de ‘Taxi Driver’ e de outros filmes do cinema americano mais independente dos anos 1970 porque eles me deram uma noção de espetáculo capaz de ser politicamente ativo”, disse Kusturica ao Lab Pop, quando lançou seu último longa (até agora): o .doc “El Pepe: Uma Vida Suprema”, sobre o líder uruguaio Pepe Mujica.
Esta noite, o diretor terá o aplauso da região de Mokra Gora, onde realiza anualmente o Küstendorf International Film and Music Festival. Por ser também instrumentista, integrando a banda The No Smoking Orchestra, ele vai encher o evento de shows, sem abrir mão de debates sobre a força do audiovisual da Sérvia e de toda a Europa. Em sua obra para a telona, Kusturica foi condecorado com duas Palmas de Ouro, em Cannes, dadas a ele por “Quando Papai Saiu Em Viagem De Negócios” (1985) e por “Underground – Mentiras de Guerra” (1995). Em 2008, ele citou o futebol brasileiro, mas de maneira jocosa, no documentário “Maradona por Kusturica”, lançado em 2008, com enorme sucesso. “Aquele argentino deu ao esporte alguns dos dribles mais bonitos que o mundo jamais viu”, disse o cineasta, que esteve ao lado de Bárbara Paz, há uma década, no lançamento do longa em episódios “Words With Gods”, no qual divide os créditos com Hector Babenco (1946-2016) e Guillermo Arriaga. Ele encantou o Festival de Veneza, em 2016, com “Na Via Láctea”, sua última ficção até agora, exibida no Rio de Janeiro só em 2017, quando ele foi ao Festival Mimo, na Marina da Glória, tocar com a No Smoking Orchestra.

Há uma chance de ele tocar esta noite, após a projeção do filme de Garrone. Além de “Io Capitano”, Küstendorf vai exibir uma leva de longas contemporâneos rechegados de provocações temáticas e inquietações narrativas, como “Comandante”, de Edoardo De Angelis; “Lost Country”, de Vladimir Perisic; “The Last Motorship”, de Ilya Zhektyakov; e “Disco Boy”, de Giacomo Abbruzzese. Serão exibidos ainda clássicos como “Ouro e Maldição” (“Greed”, 1924), de Erich von Stroheim; “8 ½” (1963), de Fellini; “Wishing Tree” (1976), de Tengiz Abuladze; e “Sindicato de Ladrões” (1954), de Elia Kazan. Rola ainda uma sessão de novas vozes autoraiss, da qual fazem parte “Desperate For Marriage”, de Sonya Karpunina; “A Gaza Weekend”, de Basil Khalil; “Terrestrial Verses”, de Ali Asgari e Alireza Khatami; e “My Swiss Army”, de Luka Popadic.
Vai ter competição em Küstendorf também. A seleção competitiva oficial deste ano reúne uma série de curtas-metragens de diferentes cantos do planeta. O programa inicial reúne: “I Promise You Paradise”, de Morad Mostafa; Hikuri, de Sandra Ovilla León; “On The Silk Road”, de Sherzod Nazarov; “Silhouette”, de Savva Dolomanov; “Duck Roast”, de Jelica Jerinic; “Violet Country”, de Mikhail Gorobchuk. O segundo programa inclui “Lemon Tree”, de Rachel Walden; “Short Cut Grass”, de Davi Graso; “Bye, Bye Bowser”, de Jamin Baumgartner; “The Last Shift”, de Askr Unaev; e “9-5”, de Masa Sarovic. Já o último bloco das curtas traz “Highway of a Broken Heart”, de Nikos Kyritsis; “Madden”, de Malin Ingrid Johansson; “mise à nu”, de Simon Maria Kubiena e Lea Marie Lembke; “Shanti”, de Vivek Rai; “Only The Devil Hates Water”, de Lidija Mojsovska; e “The Creature”, de Damian Kosowski.
Kusturica conduz o evento até a madrugada do dia 28.