Carlos Augusto Brandão, de Nova York
“Jimmy P: Psychotherapy of a plains indian”, de Arnaud Desplechin, foi destaque ontem nas sessões prévias para a imprensa da 51ª edição do Festival de Nova York. O diretor está de volta ao evento, onde em 2008 apresentou “Um conto de natal”, sobre as tensas relações de uma família transitando entre o amor e o ódio.
Seu novo filme, recebido com muitos aplausos, era aguardado aqui com bastante curiosidade por ser um trabalho diferente na carreira do enigmático diretor francês.
Com diálogos que prendem a atenção dos espectadores – uma das características dos filmes de Desplechin – o filme segue a história real de um soldado nativo-americano, conhecido por Jimmy Picard (Benício Del Toro), da tribo Blackfoot.
Após a II Guerra Mundial, Jimmy é atormentado por muitos problemas psicossomáticos, um quadro de alcoolismo e neurose severa. Com o diagnóstico de esquizofrenia, a direção do hospital militar onde ele está sendo tratado decide seguir os conselhos pouco convencionais de George Devereux que, além de psicanalista, é antropólogo especializado em culturas nativas americanas.
“Jimmy P.” é a adaptação do livro “Reality and dream: Psychotherapy of a Plains Indian”, escrito pelo próprio Devereux com base em suas experiências.
Del Toro tem um ótimo desempenho no papel do sofrido Jimmy P. e Mathieu Amalric – que interpreta Devereux – transmite com brilhantismo como a ligação entre os dois acabou por formar um laço de amizade, que vai além de uma relação apenas profissional.
O roteiro é ótimo, mostrando uma trama com flashbacks repentinos habilmente inseridos, diálogo inteligente, reconstrução precisa e, principalmente, o viés humanista.
Na coletiva após a projeção – da qual participou o Laboratório Pop – Desplechin falou sobre a origem do filme, sua fascinação pelo livro de Devereux e o que espera dos espectadores. Leia os principais trechos:
Como você descobriu o livro de Georges Devereux?
Arnaud Desplechin – Eu já tinha usado algumas passagens curtas dele em Reis e Rainhas. Na verdade, ele me segue há muito tempo, quando o achei numa livraria ao procurar outro livro sobre os índios americanos, “Enterrem meu coração na curva do rio”.
Porque este o interessou tanto?
AD – Inicialmente, por causa do seu título estranho. Quando o vi, pela primeira vez na livraria – “Psicoterapia de um indio plains” – parecia que eu já o conhecia. Mas não foi tanto a parte teórica que mais me impressionou, mas a força dramática desse diálogo entre um paciente e seu analista.
A origem “estrangeira” dos dois personagens principais torna a história mais interessante?
AD – Sim, ela está no coração do filme. Um dos homens é de Montana, outro da França e eles se encontram em Topeka, e se tornam amigos. Um é índio, o outro é europeu. Mas o que tem também um grande significado é que Devereux é um psicanalista que trabalhou com a comunidade nativa.
Por que isso faz tanta diferença?
AD – Freud disse várias vezes que a psicanálise talvez infelizmente estivesse reservada para a classe média. Para engajados como Devereux, atravessar essa barreira e dizer que deve estar disponível para todos, realmente é algo que me move. Ele olha para os pacientes de uma reserva indígena com respeito, dignidade e acuidade.
O que acha que mais agradará ao público?
AD – Espero que seja a minha forma abordar os personagens índios, como se estivessem saindo das páginas de um livro de Thomas Hardy. Durante a edição, eu estava assistindo à atuação de Benício (Del Toro) e me lembrei de “Judas, o obscuro”. Eu queria dar a personagens que vêm de origens humildes, a mesma nobreza, como se fossem personagens de Hardy.
Este é seu primeiro filme americano em inglês. O que você achou da experiência?
AD – Eu sempre me lembro de Renoir dizendo: “Nada se assemelha mais a um sapateiro da Índia do que um sapateiro de Paris”. Claro, existem pequenas especificidades, especialmente uma forma muito americana de lidar com atores. Mas são diferenças muito pequenas e eu procurei ficar o mais longe possível da armadilha do exotismo. Eu queria adaptar esse livro e ele só poderia ser filmado nos Estados Unidos.
Você cita John Ford e François Truffaut no filme. E o seu estilo também foi mais clássico do que é normal em seus outros trabalhos. Por quê?
AD – John Ford e François Truffaut são cineastas que vão do amanhecer ao anoitecer. Eu vi “Vinhas da ira” (de John Ford) novamente na semana passada e ele nunca deixa de me impressionar. Eu procurei simplificar a produção e focar nos dois homens e o que poderia ter nascido dos conflitos e amizade entre eles.