Cinema

‘O Galã’ leva um sabor de Frank Tashlin às telas

Por Laboratório Pop

Rodrigo Fonseca
Celebrizado na novela “Senhora do destino” (2004) na pele do “felomenal” Ubiracy, o poço de carisma chamado Luiz Henrique Nogueira enfim ganha, nos cinemas, um papel à altura de seu timming de humor e de um ferramental cênico capaz de ir além da simpatia: ele é o Jerry Lewis da comédia “O Galã”. Em cartaz a partir desta quinta, o longa-metragem, construído como um diálogo com a peça “Meio Irmão”, de Emílio Boechat, marca a volta de um dos mais afiados existencialistas de nosso audiovisual: Francisco Ramalho Jr.

Há quem lembre dele mais por sua (preciosa) porção produtor, por trás de joias como “O beijo da Mulher-Aranha” (1985) e “A suprema felicidade” (2010). Mas há em seu curríco como realizador longas de inestimável contribuição para a maturidade do filão erótico (“À flor da pele”, de 1977, é um Louis Malle à paulista) e do romance geracional (como prova o doído “Besame Mucho”). Sua ida às veredas do riso carrega o tônus existencial e cinéfilo do passado.
A menção a Lewis, a partir da delicada atuação de Nogueira, não é gratuita. Tem algo na narrativa de “Cinderelo sem sapato” (“Cinderfella”, 1960), uma das crônicas afetivas que Lewis estrelou em sua parceria com o genial diretor Frank Tashlin (1913-1972), com quem Ramalho demonstra ter uma (talvez inconsciente) parentela no olhar para o patético e na manha com o vaudeville. Há algo de “Em busca de um homem” (1957), que Tashlin fez com Jayne Mansfield, no filme brasileiro: ambos falam dos bastidores da criação artística para as telas.
Em “O galã”, Nogueira é Beto, um Cyrano cheio de amor por sua vizinha, Raquel (Christine Fernandes). Mas sua hipocondria e seu exílio em si mesmo impedem uma paquera. Fora isso, Beto tem uma novela pra escrever. Não por acaso, escreve o folhetim que seu maninho mais moço, Júlio (Thiago Fragoso, com ares de Dean Martin), sonha estrelar. Há um astro de olho na trama também: papel de Fiuk, em divertida atuação. Mas o dilema que mais conta aqui não é o sucesso e sim a fraternidade, num abraço partido pelo tempo que há de se converter em afago. Esse é o desenho que a montagem de Manga Campion traceja, numa edição imune a gordurinhas indesejadas, apoiada na maturidade de Ramalho para explorar emoções empaledecidas por escolhas equivocadas. É comédia à moda antiga, com alma e com uma Cristina Mutarelli em estado de graça, como a goveranta de Beto. Mas a chance de ver um ator como Nogueira transcender é o que mais e melhor dá gosto neste regresso de Ramalho.