RODRIGO FONSECA
Aplausos e milhões de ingressos vendidos, numa bilheteria que caminha para US$ 60 milhões, fazem de “Nosferatu”, hoje em cartaz, um queridinho do público e da crítica, ampliando a fama do diretor nova-iorquino Robert Eggers. Seus dois primeiros longas-metragens, “A Bruxa” (“The Witch”, 2015) e “O Farol” (“The Lighthouse”, 2019), foram produzidos pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, por meio de sua RT Features. Um está na Netflix e o outro, na Prime Video. Há um terceiro título, lançado pelo cineasta em 2022, que estende sua visibilidade no streaming, na Amazon Prime, agora que o ensaio vampírico baseado no clássico do Expressionismo angaria multidões em circuito: “O Homem do Norte” (“The Northman”, 2022).
Celebrizados na cultura pop dos anos 2000 por seriados (“Vikings” e “Vikings: Valhalla”) e HQs (“Northlanders”, da DC Comics, e “O Poderoso Thor”, da Marvel), a casta de guerreiros do mar egressos da Escandinávia singrou (e sangrou) este mundo de 793 d.C. a 1066 d.C. Seus feitos náuticos (e bélicos) ficaram famosos no cinemão hollywoodiano por um único longa-metragem de relevância histórica e difusão internacional, lançado em 1958 por Richard Fleischer (1916–2006): “Vikings, Os Conquistadores”. Essa produção custou caro para sua época (cerca de US$ 3,5 milhões), mas faturou bastante (US$ 7 milhões), além de ter garantido uma indicação ao Prêmio do Sindicato dos Diretores dos EUA (DGA) para Fleischer. Assegurou ainda um prêmio de melhor ator a Kirk Douglas (1916-2020) no Festival de San Sebastián, na Espanha. Apesar do prestígio desse longa, aquele povo ficou circunscrito no imaginário do pop, até a segunda década dos anos 2000, pelas vias do rock (via viking metal, com bandas como Amon Amarth e Einhenjer) e por menções no gibi “A Espada Selvagem de Conan”, onde são representados pela população dos Vanires.
Eggers resolveu falar deles (e reinventá-los) fiel à sua marca autoral. Existe um interesse dele em explorar as entranhas cancerosas da masculinidade e suas metástases agressivas. Em seu exuberante “O Homem do Norte”, ele gastou cerca de US$ 70 milhões (algumas fontes falam em US$ 90 milhões), e só teve um faturamento de US$ 69 milhões. Elogios de variadas bocas elevaram o cacife da fita apesar disso.
Nela, Eggers abre a Caixa de Pandora que reteve os feitos, as lendas e os demônios daqueles que rezam por Odin, o Deus dos Deuses. Fez um thriller capa & espada antropológico sobre o modo de ser, de agir, de crer e de reagir de uma sociedade pagã. É algo próximo – ainda que mais radical, plasticamente, e menos realista – do soberbo “Conan, o Bárbaro” (1982), de John Milius. Seu (anti-)herói é o nobre caído Amleth, bem interpretado por um Alexander Skarsgård sempre besuntado de sangue, no auge de sua vontade de potência como ator.
O personagem é filho de um rei morto, Aurvandil, senhor de muitas batalhas, fiel à mitologia dos corvos, vivido por um grisalho Ethan Hawke. Cada passo da trama escrita pelo escritor islandês Sigurjon B. Sigurdsson (ou apenas Sjón) e Eggers é guiada pela presença ausente de Aurvandil, o que justifica a escolha de um astro da envergadura de Hawke. A partir do assassinato dele pela lâmina do irmão, Fjölnir (Claes Bang, visto em “The Square”), Eggers exercita seu traço identitário artístico, dialogando com processos que trouxe de “A Bruxa” (pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Direção em Sundance) e de “O Farol” (Prêmio da Crítica da Quinzena de Cannes). Contou com a cantora Björk, numa rápida aparição como clériga dos deuses nórdicos. Tudo isso é cozido em fervura máxima na panela de pressão da fotografia abafada de Jarin Blaschke, seu escudeiro habitual, responsável pelos belos planos de “Nosferatu”.
Na versão brasileira, Philippe Maia dubla Amleth e Eduardo Borgerth empresta a voz a Hawke.