RODRIGO FONSECA
Tá aqui a lista dos 10 Mais da 73ª Berlinale, a julgar pelo que se viu de melhor desde sua abertura:

  • “AFIRE”, de Christian Petzold: Quando a pátria de Werner Herzog e Wim Wenders se empenha pra brilhar na telona, não tem quem a segure. Três anos após a consagração de “Undine”, o realizador alemão extrai mais uma atuação magnífica da atriz Paula Beer, dando à disputa pelo Urso de Ouro de 2023 o roteiro mais engenhoso – com mais camadas de toda a competição. Ela é a misteriosa hóspede de uma casa no litoral onde um aspirante a escritor anseia por uma avaliação de seu editor. Mas há incêndios ao redor, na mata. Haverá um incêndio dentro dele também.
  • “ART COLLEGE 1994”, de Liu Jian: Só mesmo a cartilha do desenho animado seria capaz de deixar o cinema chinês contestar os ranços maoístas de forma explícita, numa viagem no tempo até a década de 1990, numa narrativa que evoca John Hughes – em “Gatinhas e Gatões” e “O Clube dos Cinco”- ao cartografar a explosão hormonal de estudantes de pintura que descobrem o sexo, Van Gogh e liberdade.
  • EL ECO, de Tatiana Huezo (México): Tá dando América Latina na cabeça, no gosto do público, a julgar por esta joia dirigida pela responsável pelo premiadíssimo drama “Reze pelas Mulheres Roubadas” (2021). Ela pode abocanhar os troféus da mostra Encontros com este documentário sobre um vilarejo mexicano que parece parado no tempo, castigado pelo frio e por secas, no qual jovens cuidas de suas avós, assim como tomam conta de rebanhos carentes de melhores condições. É uma metáfora entre a natureza humana e a vida animal.
“Le Grand Chariot”, de Philippe Garrel
  • “INFINITY POOL”, de Brandon Cronenberg: Diva do terror, em cartaz no Brasil com “Pearl”, a inglesa Mia Goth beira a excelência plena numa trama sobre um casal (ela e Alexander Skarsgård) que sofrem transformações – físicas e existenciais – após um acidente. Elementos de body horror inundam a narrativas, marcada por um banho de descarrego de Mia. É o trabalho mais estiloso do filho de David Cronenberg.
  • “ALL THE COLOURS OF THE WORLD ARE BETWEEN BLACK AND WHITE”, de Babatunde Apalowo (Nigéria): Conhecido pelo chamado Nollywood, uma produção de filmes de gênero feitos para DVD, o cinema nigeriano transcende suas formas de produção e chama atenção na mostra Panorama com esse drama sobre dois homens que, unindo forças para sobreviver à pobreza, em pequenos trabalhos, apaixonam-se, desafiando tabus de uma sociedade homofóbica.
  • “LE GRAND CHARIOT”, de Philippe Garrel: Liberto de sua paixão pelo P&B, embora ainda apoiado no fotógrafo Renato Berta (mestre da luz), o signatário da Nouvelle Vague em atividade na França usa o cotidiano de uma família de hábeis marionetistas (papéis confiados a suas filhas, Léna e Esther, e a seu filho, Louis) para abrir uma discussão sobre o que é ultrapassado e o que é eterno na contemporaneidade. A avó vive por Francine Bergé é a personagem mais adorável desta Berlinale.
  • “AU CIMETIÈRE DE LA PELLICULE”, de Thierno Souleymane Diallo: VItaminaram a mostra Panorama com uma espécie de “Cabra Marcado Para Morrer” da República da Guiné. Seu realizador busca um filme perdido, “Mouramani”. Há um consenso entre críticos e historiadores de que essa produção guineense, de 1953, seja o primeiro filme feito por um cineasta africano negro de língua francesa (no caso, Mamadou Touré) na História. Fala-se dele em muitos livros, mas ninguém vê seus planos, pois ele dado como desaparecido. Seu sumiço é o indício de vários crimes ligados ao apagamento da memória, ao racismo e à exclusão.
Au Cimetière De La Pellicule
  • “INSIDE”, de Vasilis Katsoupis (Inglaterra): Numa de suas mais inspiradas atuações (e olha que são muitas), Willem Dafoe encarna um ladrão especializado no roubo de obras de arte que fica trancado em um apartamento, sem chance de sair, depois que um crime dá errado, e vai enlouquecendo pouco a pouco, numa narrativa febril.
  • “O ESTRANHO”, de Flora Dias e Juruna Mallon (Brasil): Um primor de roteiro, numa mistura de geopolítica com existencialismo. Em um território indígena funciona o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Centenas de milhares de passageiros o atravessam diariamente e 35.000 trabalhadores apoiam sua operação. Esse filme segue personagens cujas vidas se cruzam no dia a dia do trabalho neste chão. Alê (Larissa Siqueira), uma funcionária de pista cuja história familiar foi sobreposta pela construção do aeroporto, conduz a plateia por encontros através dos tempos.
  • “MATRIA”, de Alvaro Gago (Espanha): Uma cartografia de sororidades e empoderamentos, com ecos do neorrealismo de Rossellini e Visconti a partir de uma vila de pescadores na Galícia, na qual a esforçada Ramona (María Vázquez) testemunha o amadurecimento de sua filha, hoje uma adolescente. É hora de ela redesenhar sua vida. Esse redesenho, na tela, é tocante.