Rodrigo Fonseca
Criada em 2021, em meio à pandemia, para atrair pra Croisette filmes finos, mas de apelo popular inquestionável, sem perfil pra concorer à Palma de Ouro, a mostra Cannes Première passou a servir muito bem ao cinema francês para desovar filme com dramaturgia requintada, que possam ter sucesso no circuito. É esse o (bom) exemplo de “Bonnard, Pierre et Marthe”. A direção é do ator e cineasta Martin Provost, que fez barulho no circuito brasileiro com “A Boa Esposa”, há dois anos. Seu novo longa faz uma reflexão sobre o mercado das artes plásticas na França. Seu protagnista é Pierre Bonnard (1867-1947), um pintor conhecido por quadros como “O Gato Branco” (1894). Ele é vivido pelo ótimo Vincent Macaigne no roteiro de Provost, que explora a relação do artista com a misteriosa Marthe, papel da atriz belga Cécile De France. Os dois vão do idílio ao desespero.
“O cinema é um terreno onde a cor deve carregar os sentimentos que mais nos desarranjam”, diz Provost ao Laboratório Pop em recente entrevista em Paris.
Falando de cinema francês, um longa que é prata da casa, mas com temperos vietnamitas dispara como favorito à Palma de Ouro: “La Passion de Dodin Bouffant”, uma espécie de releitura lúdica do programa “MasterChef”, ambientado no século XIX, com a diva Juliette Binoche e seu ex, Benoît Magimel (hoje no apogeu de sua carreira), nos papéis centrais. Quem dirige é Tran Anh Hùng, diretor há tempos sumido. Seu longa mais recente, “Éternité”, saiu há uns sete anos. Mas a fama dele vem de “O Cheiro da Papaia Verde”, um cult que já soma 30 anos. Na trama, baseada em romance de 1924, escrito por Marcel Rouff, um gourmê, Dodin (papel de Benoît), famoso por seu gosto refinado vive uma longeva amizade colorida com a chef Eugenie, vivida por La Binoche. Ela cozinha iguarias que deliciam os amigos ricos dele. Mas quando ela dá sinais de estar gravemente doente, ele resolve cozinhar pra ela, em graridão, selando uma paixão desvairada.
“Tentei balancear a filmagem do preparo de grandes pratos com um conto sobre o amor”, disse Tran, que afirmou ao Laboratório Pop trabalhar sob a influência estética de Jean-Luc Godard (1930-2022). “Havia sempre um frescor nele”.
Cannes termina neste sábado, com a entrega de prêmios e a projeção de “Elementos”, nova animação da Pixar.