RODRIGO FONSECA
Pouco depois de despertar de um transe provocado pelo trailer do novo Miyazki (“O Menino e a Garça”), o Kinoplex UCI Norte Shopping foi parar numa realidade na raia da competência (técnica e dramatúrgica) com “Príncipe Lu e a Lenda do Dragão”. O “Game of Thrones” do Luccas Neto, muito bem amparado pela direção de arte de Nathalia Siqueira, está em fase de prés abertas ao público. A plateia do multiplex da Av. Dom Hélder Câmara riu muito (onde tinha de rir) e aplaudiu no fim, a ponto de fazer aquele “own” de fofura na sequência pós-crédito. É a prova da surpresa (boa) que o longa-metragem é capaz de causar, num trabalho de precisão helvética de Leandro Neri. Michael J. Fox do Brasil, Luccas assina o roteiro com o cineasta e com Paulo Halm, que é um bamba da escrita. Fui pra sessão a fim de bater cabeça para São Renato Aragão, que está no elenco, e saí encantado com muito mais, em especial o desempenho da figurinista Constança Whitaker no diálogo com a tradição de filmes de fantasia da “Sessão da Tarde”. É impressionante como está tudo no lugar certinho: é divertido, há muita adrenalina, tem herói.
Aragão, que não aparecia na telona desde 2017, vai além das convenções de seu chapliniano Didi ao viver o Mestre dos Mestres, agigantando-se em cena. É a maior de todas as forças comerciais de bilheteria da história deste país nas telas, com 30 milhões de ingressos vendidos em seu currículo. Sua doce aparição em cena, tal qual a da mítica Zezé Motta (no papel da druida Feiticeira), dá o endosso da tradição ao filme, que conta com uma luz bem apolínea (cálida) das lentes do diretor de fotografia Pedro Serrão.

Um tom épico dá tônus à produção, evocando o clássico “Era Uma Vez…” (1995), de Arturo Uranga, já na locução de abre-alas, feita pela Feiticeira. Ali, ficamos sabendo que o herdeiro do trono do Reino de Lucebra, o brincalhão Príncipe Lu (Luccas, um poço de carisma) vive sem preocupações, pregando peças em seus familiares e amigos. Seus pais, o Rei (um espartano Maurício Mattar) e a Rainha (Flávia Monteiro), preocupam-se às pampas com o filho, pois, segundo reza a lenda, quando completar 18 anos, ele vai enfrentar o misterioso Dragão da Maldade. Nessa peleja, é dever dele salvar o povo da Terra Média. Apesar dessa profecia, Lu não acredita no perigo iminente e prefere “troslar” sua irmã, a Princesa Encantada (Gi Alparone). Faz troça de todo mundo que trabalha no palácio, como o assustador Conde Drake (Cassio Scapin), a aia Lena (Beatriz Couto) e os guardas reais (Tadeu Mello e Pedro Truszko).

Com a chegada dos vizinhos, o Rei (Gillray Coutinho) e a Rainha (Juliana Martins), dupla egressa de Jucebra, o Príncipe Lu vai precisar fugir das investidas da Princesa Rita (Anajú Dorigon), que está determinada a conquistá-lo. A chegada dela é um dos acertos do “GoT” de Luccas: Anajú é um achado de atriz. Sua inteligência cênica se faz notar nos mínimos gestos.

Sua Rita funciona como um ímã de atenções até mesmo quando algo de inesperado acontece. Um incidente com o Rei leva o príncipe a amadurecer às pressas. Para salvar seu povo, ele vai precisar da recém-desaparecida Espada Alada, espécie se espada dos ThunderCats, sem Olho de Thundera.

Cuidadoso no empenho de dar às personagens femininas um perfil de firme empoderamento, Neri faz de “Príncipe Lu e a Lenda do Dragão” uma narrativa contemporânea. Há uma afinação com as crianças no ajuste do filme às cartilhas (visuais e dramatúrgicas) de programas de YouTube (tipo “Maria Clara e JP”) ao mesmo tempo em que conversa bem com o legado “capa e espada” de “O Hobbit” (2012 – 2014) e o legado da franquia “Animais Fantásticos” (2016 – 2022). Neri babe uma bola com isso tudo, só que de uma forma cheia de brasilidade. Basta dizer que há um trecho num ensaio da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis. Não pergunte como, nem pergunte o porquê, mas funciona. É um golaço. Que filme bacana!

É um deleite dos bons para a molecada e é um mimo em corações cinéfilos, com Aragão e com Zezé. E não só: o povo aí que se lembrar de “Falsa Loura” (2007) sabe que Mattar é um bom ator, que amplia bem a persona do monarca de boa índole. Que bom vê-lo se novo numa tela de cinema.