RODRIGO FONSECA
Do muito que se filmou sobre a pandemia, em documentários (“Voluntário **1864”) e ficções (“Com Amor e Fúria”), o saldo que a covid-19 deixou sobre o Brasil ganha contornos políticos (e existencialistas) dos mais iracundos em “O Debate”, atração da “Tela Quente”, da Globo, na noite desta segunda-feira. Tem projeção às 23h35. Jorge Furtado e Guel Arraes assinam o roteiro dessa narrativa espasmos, que pula no Tempo, indo e vindo do Ontem pro Hoje, criando, na tela, uma estrutura quase teatral de esgrima entre seus atores, ambos em estado de graça. Há Débora Bloch de um lado e Paulo Betti, do outro. A mediação dessas supernovas é feita por Caio Blat, em sua estreia na direção de longas-metragens. O diálogo com o Arnaldo Jabor de “Eu Sei Que Vou Te Amar” (1986) é dos mais fortes.
Em 2006, quem viu Caio no Teatro Leblon, na trupe de “Essa Nossa Juventude”, revezando um papel com Cauã Reymond, a partir do texto de Kenneth Lonergan, já percebia nele a centelha política da criação. O que parecia uma pederneira virou incêndio a partir de sua participação em “Proibido Proibir” (2006), de Jorge Durán, e “Bróder” (2010), de Jeferson De. Sua passagem para o posto de cineasta carrega toda a vitalidade de seus bons desempenhos na telona. Produzido por um dos mais ativos documentaristas do país (Belisário Franca), “O Debate” é a autópsia em corpo vivo da democracia brasileira. Sua trama se constrói a partir do embate entre dois jornalistas, Paula e Marcos, no dia em que a última sabatina entre candidatos da corrida presidencialista vai ao ar, na maior emissora de TV do país. O período de confinamento imposto pelo coronavírus é parte das angústias enfrentadas pelos dois, entre 2020 e 2022. É um fantasma que assombra o casamento deles.
Blat surpreende como cineasta ao falar de um vírus que nos tira ar por meio de uma cadência de falas, respiros e engasgos em tom de vomitório. Fala-se de amor, liberdade, governança, aborto e companheirismo. Saturada na medida certa, a fotografia de Gustavo Hadba e Mustapha Barat transforma o falatório vívido de “O Debate” numa experiência de fina sinestesia.