Rodrigo Fonseca
Furacão pop da black music, motor roncante da nostalgia na evocação das pistas de dança, Tony Tornado vai sacudir as noites cariocas uma vez mais. Saudade, aquele vocábulo doído, que se traduz melhor com canções do que com palavras, vai tomar conta do Teatro Riachuelo, no Centro do RJ, no próximo dia 19, já meados de junho, lá pelas 20h, na hora em que os doídos acordes de “BR-3” saltarem dos lábios de Tony e de seu filho, Lincoln Tornado. Os dois entram em alquimia num show para celebrar as cinco décadas do casamento do eterno twister da música brasileira com o soul. Ícone no cinema, com filmes lendários como “Pixote – A lei do mais fraco” (1981) em seu currículo, ele tem um lugar cativo na TV, onde foi visto, recentemente, na série “Carcereiros”, premiada na França, pela contundência de sua radiografia das mazelas culturais do Brasil. Contradições que ele – nascido há 89 anos em Mirante do Paranapanema, no interior de São Paulo, mas transformado em carioca por identificação com o suingue local – pôs nas entrelinhas de melodias embaladas de lirismo, numa estética de “brodagem”. É uma estética que vem desde o fim dos anos 1960, tempos em que ele cantava sob pseudônimo americano (foi Johnny Bradfort e Tony Checker), mas salpicando brasilidade a cada Get up, (get on up) que decalcava de James Brown e afins.
“A música me alimenta, e eu não diria “ainda”, diria “sempre”. Até na dramaturgia, eu uso a música para me expressar. Ela é a trilha sonora de cada batida do meu coração. Soul é alma. A soul music é o eco da minha alma, que expressa as inquietações mas expressa também a alegria e o prazer de viver através do som e da dança. É um jeito de ser…”, poetiza o ator e cantor, que promete rever velhas “companheiras de estrada” como “Podes crer, amizade”, assim como o hino “Mandamentos black”, de Gerson King Combo, no Riachuelo. “O somatório da inquietude com a alegria remete à conscientização de que a amizade é o que há de mais importante entre as pessoas, independentemente de cor, gênero ou o que seja. Podes crer; quando duas mãos se encontram, refletem no chão a sombra da mesma cor”.
Histórias sobre a dedicação profissional de Tornado vão integrar o livro que o poeta Lula Moura, produtor do show do dia 19 prepara, com base na “BR-3″ e na trajetória do cantor. Ele e Lincoln sobem ao palco do Riachuelo ao lado da cantora Francine Môh, da Funkessência (uma das melhores bandas do país hoje) e dos músicos convidados Tinho Martins e Júlio Brau. “A emoção de dividir o palco com meu pai faz eu pensar como é incrível estar ao lado da minha história pessoal e da história da música brasileira ao mesmo tempo”, diz Lincoln, um reator nuclear de suingue no palco.
Entre as novas gerações de artistas negros do país, Tornado ainda levanta poeira. E para quem testemunhou as mais transformações na música brasileira nos últimos 50 anos, caso do crítico Tárik de Souza, dá a Tornado lugar de honra na História. “Ele literalmente corporificou o soul brasileiro para as massas. Seu desempenho na ‘BR-3’ abriu uma autobahn para discípulos de James Brown e futuros bailarinos do passinho”, abençoa Tarik, referindo-se ao hit que deu ao cantor, às voltas com o Trio Ternura, a vitória no Festival da Canção em 1970, quando ainda assinava Toni, com “i”.
Aquele festival foi uma conquista essencial à saga de Tornado nas vitrolas, mas há um lado B nesse sucesso. “’BR-3’ é um divisor de águas na minha vida. Canção genial, ela foi um presente que recebi da dupla Antonio Adolfo e Tibério Gaspar… e de Deus. Sou grato até hoje. Ganhar aquele festival, concorrendo com tanta fera da música popular brasileira, foi algo indescritível. O carinho do público no estádio, depois nas ruas e nos programas de rádio e TV. Bom, esse carinho vem até hoje. Não posso deixar de cantar e falar da BR-3, por onde passo. Precisa dizer mais alguma coisa? Agora, a canção incomodou muita gente na época também, né, Don? Começaram a dizer que BR-3 era hino de maconheiro, que BR3 era uma veia do braço, etc. E logo comigo que nunca usei drogas, e nem bebo. Mas isso já passou. É como diz o rap que o próprio Tibério Gaspar fez alguns em 2002, contando essa história: a mentira tem pernas curtas e se move veloz mas a música está aí até hoje”, comemora Tornado, que encara com otimismo a batalha dos negros no Brasil contra a intolerância racial. “Muito melhorou, mas ainda há muito o que melhorar. A luta do negro no Brasil se confunde com a luta do pobre. É uma coisa só. Ainda somos um país de desigualdades”.