Num crime contra o patrimônio cultural nacional chamado redublagem, andam trocando a voz de John Travolta em filmes com versão brasileira na TV a cabo: Mario Jorge é seu dublador oficial. Esperamos ouvir seus aveludados acordes vocais em “Gotti”, no qual o astro vive um mafioso.
Marcada por múltiplos altos e baixos, ao longo de seus 46 anos, a carreira de John Travolta, em banho maria há muito tempo, vai subir de temperatura esta semana, quando ele volta às telas americanas no papel de um gângster que redefiniu a (má) popularidade da palavrinha “máfia” aos olhos da opinião pública dos EUA às custas de muito sangue e muitas bravatas. No trailer de “Gotti”, o astro de “Embalos de sábado à noite” (1977) fala sem parar, com ou sem armas na mão, acentuado a brutalidade na voz para desenhar o comportamento boquirroto de uma figura que redefiniu a cena criminal de Nova York. Ao longo dos anos 1980, com seu jeitão espalhafatoso e seus planos mirabolantes (porém bem-sucedidos) John Gotti (1940-2002) fez do clã Gambino a mais poderosa família mafiosa dos Estados Unidos, garantindo a eles uma renda anual de US$ 500 milhões, com contrabando e tráfico. Em maio, durante o Festival de Cannes, a cinebiografia do chefão nova-iorquino ganhou uma exibição surpresa, de carona na visita de Travolta ao balneário para promover a sessão de 40 anos de “Grease – Nos tempos da brilhantina” (1978). E, ao fim da projeção do thriller pilotado por Kevin Connolly, o termo mais repetido pela imprensa era: Oscar… para Travolta, é claro.
“É difícil apontar um sujeito mais controverso do que Gotti, que era muito reflexivo, mas, ao mesmo tempo, bruto, capaz de cair com o peso de um martelo na cabeça de seus adversários, a fim de manter o respeito dos Gambino, seus patrões, em alta. Era um tipo estiloso, cheio de orgulho. Minha preocupação ao fazer essa cinebiografia era que não reduzir o retrato dele à excentricidade e sim mostrar suas parcerias, começando pela mulher, Victoria, e por sua rixa com o filho, Gotti Jr., que não quer ser como o pai”, explicou Travolta em Cannes à multidão que se estapeava nos corredores do Palais des Festivals para ouvi-lo relembrar sua jornada em rumo ao estrelato.
Egresso da TV, com passagens pela música (seu LP “Whenever I’m away from you” virou hit na indústria fonográfica em 1977), John Joseph Travolta – nascido em Nova Jersey há 64 anos – virou um ícone da cultura pop usando a calça boca de sino de Tony Manero, sacudindo-se ao som dos Bee Gees em “Embalos de sábado à noite”, pelo qual ele foi indicado ao Oscar de Melhor Ator em 1978. À época, o diretor francês François Truffaut (1932-1984) deu uma entrevista dizendo que Travolta era um dos atores que salvariam Hollywood da mesmice no momento em que cinema americano se voltasse para o entretenimento. Em 1995, ele foi indicado à estatueta dourada de novo por seu desempenho no papel de Vincent Vega em “Pulp fiction – Tempo de violência”. Agora, com “Gotti”, ele tem tudo para ser indicado de novo.
“Quase que sem querer, eu acabei aparecendo em filmes que mudaram a maneira como as pessoas encaram a dramaturgia cinematográfica. É bom fazer filmes que tiveram relevância”, disse ele ao se referir ao trabalho com Quentin Tarantino e mesmo a “Grease”, que redefiniu a lógica dos musicais nos anos 1970. “O segredo para se construir um personagem é buscar uma zona de conforto naquele papel ainda que você não tenha nenhuma conexão com aquela figura que está interpretando