RODRIGO FONSECA
Em meio à chegada da HQ “Luzes de Niterói” às livrarias nacionais, após um balde de elogios e aplausos em Portugal, a obra gráfica de Marcello Quintanilha se depura álbum a álbum. Mas a passagem de sua dramaturgia pelo cinema, com “Tungstênio”, pouco visto em sua estreia, merece uma segunda e mais reverente análise. É um dos melhores trabalhos de Heitor Dhalia na direção.
Mesmo não havendo uma linha autoral (temática ou formal) visível na obra do pernambucano radicado em SP, realizador de “O cheiro do ralo” (2006), seus filmes carregam uma inquietação afetiva – sobretudo na questão da lealdade – que poucos diretores brasileiros revelados na Retomada (1995-2010) apresentam, e com tamanha maestria. Por isso, os afetos fervem em azeite de dendê em seu “Tungstênio”, uma das narrativas audiovisuais nacionais mais potentes de 2018. Com toques de expressionismo alemão na fotografia de Adolpho Veloso, arredia ao contingente neorrealista ao seu redor, o filme é uma crônica poliédrica (são quatro núcleos de personagem, vistos numa perspectiva cubista, fragmentada) sobre aquilo que se espera da lealdade. Com base na HQ de Marcello Quintanilha, premiada mundialmente, o roteiro de Marçal Aquino e Fernando Bonassi se apega ao cotidiano e aos solavancos da banalidade. A partir da adaptação deles, Dhalia cria uma Bahia bem parecida com a de “Barravento” (1961), de Glauber Rocha. Nela, um sargento aposentado (vivido pelo exu José Dumont, devastador em cena), leal a um ideal de Moral e Cívica superado, deflagra uma confusão em prol de um ideal de ordem às margens de um forte. Leal a um conceito de justiça torto, uma espécie de Dirty Harry à baiana, o policial Richard (vivido por um luminoso Fabrício Boliveira, com ecos de Milton Gonçalves), embrenha-se nesse cumburucu que Dhalia narra em um tom de thriller moral, tenso e vívido. A poética narração de Milhem Cortaz (alter ego de Quintanilha) aproxima o longa-metragem da linguagem dos gibis.