RODRIGO FONSECA
Há muitos anos, talvez desde a vitória de “Titanic”, em 1998, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood não faz uma festa tão perfeita, não apenas na excelência técnica de seus números musicais, homenagens e entregas de troféus, quanto na escolha dos laureados – tão simbólicos dos novos e líquidos tempos em que vivemos – a começar pela consagração de “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”. Foram sete estatuetas para o misto de fantasia, drama existencial e thriller de artes marciais de Daniel Kwan e Daniel Scheinert. Não é – mesmo! – um filme para todos os gostos, capaz de enfastiar a mais nerd das plateias com seus excessos. Mas até quando o fastio aparece, ele não nega a beleza e a originalidade de uma trama que se aproveita do engenho do multiverso, das realidades paralelas, para dar uma amarrada (das boas) nos conceitos que regem a cultura millenial. Frente ao sinal de alerta que os exibidores ligaram, ao perceberem o esvaziamento em suas salas, uma produção indie que custou US$ 25 milhões e faturou US$ 105 milhões, apoiado no carisma da diva de Hong Kong Michelle Yeoh, merece um estouro de rojões.

Sua passagem pela festa anual da Academia foi um limpa-trilhos. O longa dos Daniels venceu nas categorias Melhor Filme, Direção, Atriz (Yeoh), Atriz e Ator Coadjuvante (Jamie Lee Curtis e Ke Huy Quan), Roteiro Original e Montagem. Sua força vem de seu faturamento; da ascensão meteórica de sua produtora (A24); da necessidade de o cinema dos EUA saber conquistar plateias asiáticas com representações dignas (sem estereótipos) do povo da Ásia; de sua discussão sobre etarismo; e de aquela história (sobre uma dona de lavanderia que flana por realidades paralelas a fim de salvar seu casamento, sua loja e sua relação com a filha) ser encarada como o discurso cinematográfico mais adequado ao que os millenial entendem como uma perspectiva política e estética de futuro.

Mesmo concorrendo com os dois maiores blockbusters de 2022 – “Top Gun: Maverick” e “Avatar: O Caminho da Água” – a produção de baixo orçamento de Kwan e Scheinert se impôs pela criatividade de seu enredo. O segundo longa mais premiado foi o alemão “Nada de Novo No Front”, com quatro estatuetas (Som, Direção de Arte, Fotografia e Filme Internacional). A direção é de Edward Berger, um cineasta da Baixa Saxônia, com 30 anos de carreira, indicado ao Urso de Ouro, em 2014, com “Jack”). Trata-se de uma superprodução da Netflix, que faz uma releitura do romance “Im Westen nichts Neues”, publicado por Erich Maria Remarque (1898-1970) em 1928, nas páginas de um jornal, o “Vossische Zeitung”. No ano seguinte, o texto saiu em livro e virou best-seller. Em 1930, Lewis Milestone (1895-1980) levou a prosa de Remarque às telas e ganhou o Oscar de melhor direção pelo empenho. Seu foco são as trincheiras da Europa entre 1914 e 1918, ou seja, a I Guerra Mundial.

“A Baleia” conquistou os Oscars de Melhor Ator e Melhor Fotografia e se consagra como um sucesso de bilheteria no Brasil

Entre todos os laureados dos Oscar nº95, Brendan Fraser foi quem mais (e melhor) tocou os corações da audiência que acompanhava a festa (via TNT ou HBO Max, no Brasil) ao ganhar a estatueta de Melhor Ator por “A Baleia”. A versão para as telas da peça homônima de Samuel D. Hunter, orçada em US$ 3 milhões, ganhou os prêmios de Melhor Ator e Maquiagem. Tá um sucesso de público imparável por aqui. Sua distribuidora, a Califórnia, viu esse drama vender 200 mil ingressos em cerca de duas semanas. É a saga de professor de Redação que, às portas da Morte, com artérias entupidas de colesterol, tenta refazer a relação com a filha adolescente. E esse “refazer” é parecido com o que Fraser tenta ao retomar os trilhos de sua prosa com o público que aprendeu a amá-lo nos tempos de “A Múmia” (1999), mas com o qual acabou perdendo a conexão. A reconexão é o signo deste Oscar.

 

Lista das estatuetas

Filme: “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”, de Daniel Kwan e Daniel Scheinert

Direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert (“Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”)

Filme estrangeiro: “Nada De Novo No Front”, de Edward Berger

Atriz: Michelle Yeoh (“Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”)

Ator: Brendan Fraser (“A Baleia”)

Atriz Coadjuvante: Jamie Lee Curtis (“Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”)

Ator Coadjuvante: Ke Huy Quan (“Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”)

Roteiro original: Daniel Kwan e Daniel Scheinert (“Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”)

Roteiro adaptado: Sarah Polley (“Entre Mulheres”)

Montagem: Paul Rogers (“Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”)

Efeitos Visuais: Joe Letteri, Richard Baneham, Eric Saindon, Daniel Barrett (“Avatar: O Caminho da Água”)

Fotografia: James Friend (“Nada De Novo No Front”)

Direção de arte: Ernestine Hipper e Christian M. Goldbeck (“Nada De Novo No Front”)

Maquiagem: Adrien Morot, Judy Chin e Annemarie Bradley Sherron (“A Baleia”)

Figurino: Ruth E. Carter (“Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”)

Animação: “Pinóquio”, de Guillermo Del Toro e Mark Gustafson

Documentário: “Navalny”, de Daniel Roher

Curta documental: “Como Cuidar De Um Bebê Elefante”, de Kartiki Gonsalves

Curta de animação: “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo”, de Peter Baynton e Charlie Mackesy

Curta de ficção live action: “The Irish Goodbye”, de Tom Berkeley e Ross White

Som: Mark Weingarten, James Mather, Al Nelson, Chris Burdon e Mark Taylor (“Top Gun: Maverick”)

Trilha Sonora: Volker Bertelmann (“Nada De Novo No Front”)

Canção Original: M.M. Keeravani e Chandrabose (“Naatu Naatu”)