RODRIGO FONSECA
Esnobado na premiação de Veneza, onde dividiu a crítica, mas angariou aplausos calorosos da plateia, “Wasp Network”, produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, vai ter passagem de gala no Festival de San Sebastián, que começa nesta sexta: o longa-metragem da RT Features, com direção de Olivier Assayas, será exibido no dia 27, no tributo a Penélope Cruz. Rodado em Cuba e nas Ilhas Canárias, o longa narra a história real de espiões cubanos em solo americano, que revela os tentáculos de uma rede de espionagem na Flórida com ramificações na América Central e com o consentimento do governo dos EUA. Nos anos 1990, quando grupos contrários a Fidel Castro realizaram ataques terroristas em Cuba, o governo cubano revidou enviando agentes que se infiltraram nessas organizações. No elenco estão ao lado de La Cruz, figuram o mexicano Gael García Bernal, o argentino Leonardo Sbaraglia, o brasileiro Wagner Moura e Edgar Ramírez, da Venezuela. Sua trama é inspirada pelo livro “Os últimos soldados da Guerra Fria”, do escritor mineiro Fernando Morais. Ganhador do prêmio de melhor diretor em Cannes, na França, em 2016, com “Personal Shopper”, Assayas, hoje um dos mais políficos e respeitados diretores da Europa, com boa aceitação de público e crítica dentro e fora de sua terra natal, a França, é o realizador responsável por esta divertida narrativa. Todo o respeito de que desfruta parece ter se ampliado pela boa acolhida a “Wasp Network”, no qual ele funde imagens de arquivo com situações dos anos 1990 recriadas na Havana dos dias atuais, com fina ironia. A forma de narrar parece um almanaque, explorando com tensão e humor detalhes dos planos mirabolantes dessa esquadra desarmada de 007s de Cuba. A produção vai ser a atração de abertura da Mostra de S. Paulo, em 17 de outubro.
“No início dos anos 1930, se você fosse a uma boa livraria de Paris, provavelmente você encontraria algum exemplar original, da tiragem de 1857, de “As flores do mal”, o livro que fez a fama de Charles Baudelaire como poeta. Era até fácil de achar, não por um preciosismo dos livreiros, mas pelo fato de que mesmo um livro de poesia como aquele provavelmente não esgotou a tirarem inicial de 2 mil exemplares impressos. Na prática, nem 2 mil pessoas devem ter comprado o livro de Baudelaire, mas isso não impediu que seu nome corresse o mundo e criasse um legado universal. Aplique isso ao cinema: nem todo filme precisa ser um fenômeno de audiência para que ele marque época e se torne um objeto de estudo”, disse Assayas ao Laboratório Pop, antes das filmagens do projeto da RT, em sua visita ao Festival do Rio. “Hoje, não se vê os filmes de Robert Bresson por aí, com facilidade. Mas entre os anos 1940 e 50, filmes como “As damas do Bois de Boulogne” e “Um condenado à morte escapou” atraíram multidões aos cinemas. Hoje, são filmes estudados como filosofia, por sua abordagem metafísica da vida. Mas, à sua época, havia neles algo de popular, algo de familiar, em que o público se reconhecia. O espectador das zonas mais popular sabia reconhecer os códigos de Bresson. Hoje, a cultura do espetáculo fácil tirou essa percepção dos códigos… ou melhor, tirou a nossa disposição de se abrir ao que vem paras as telas”.

Estrelado por Shirley Cruz, a Gláucia da novela “Bom Sucesso”, por José Loreto e por Débora Nascimento, além de um elenco de talentos egressos de periferias do RJ, o filme “Pacificado”, filmado em solo carioca pelo texano Paxton Winters, vai representar o Brasil na competição pela Concha de Ouro do Festival de San Sebastián, na Espanha. Consagrado há seis décadas como uma das mostras cinematográficas de maior prestígio do mundo (ao lado de Cannes, Veneza, Berlim, Roterdã e Locarno), o evento, no País Basco, no norte espanhol, na fronteira com a França, vai de 20 a 28 de setembro, incluindo esse longa de DNA brasileiro entre seus 17 concorrentes. Entre os produtores está o diretor nova-iorquino Darren Aronofsky, responsável por sucessos como “Cisne Negro” (2010) e “O lutador” (Leão de Ouro de 2008). Na trama, que foi gestada numa troca entre Winters e a população do Morro dos Prazeres, uma menina de 13 anos tenta reestabelecer seu vínculo afetivo com o pai, um ex-presidiário.
Entre os filmes que entraram em disputa no festival espanhol deste ano, merecem destaque prévio: “Lhamo and Skalbe”, de Sonthar Gyal, da China; “Patrick”, de Gonçalo Waddington (Portugal); “Proxima”, de Alice Winocour; “Rocks”, de Sarah Gavron (Reino Unido); e “The other lamb”, de Małgorzata Szumowska (Polônia – Irlanda). A direção de San Sebastián já havia divulgado parte de suas pepitas douradas. A competição já havia anunciado atrações antes, com destaque para a presença do ator e diretor James Franco como um de seus chamarizes. Dois anos depois de conquistar a Concha de Ouro com “O Artista do Desastre”, o astro americano vai voltar à seleção competitiva da cidade basca com o esperado “Zeroville”, comédia sobre a Hollywood de 1969 (NA FOTO ABAIXO). Concorrem com ele produções inéditas pilotadas por Louise Archambault, Guillaume Nicloux, José Luis Torres Leiva, Ina Weisse, Adilkhan Yerzhanov e David Zonana. É Franco quem protagoniza seu novo exercício autoral por trás das câmeras, numa investigação sobre a indústria de cinema dos EUA há 50 anos. Ele vive Vikar, um arquiteto que acaba sendo tragado pelos estúdios. Seth Rogen e Will Ferrel estão em seu elenco.


Fora da competição principal, vai ter ainda um batidão do que se viu de melhor na Berlinale e na Croisette, começando por “Les Misérables”, thriller social que deu ao francês de origem maliana Ladj Ly o Prêmio do Júri cannoise, em empate com o pernambucano “Bacurau”. Nele, três policiais enfrentam uma rebelião dos moradores de um subúrbio majoritariamente negro de Paris em retaliação a uma agressão contra um menino daquela periferia. Esse enfrentamento marca um levante do povo contra uma instituição de controle estatal.
De Cannes, foram trazidos ainda o novo Ken Loach (“Sorry We Missed You”) e a comédia de tons assistencialistas e motivacionais “Hors Norme”, de Eric Toledano e Olivier Nakache (a dupla de “Intocáveis”). De Berlim veio o comovente drama chinês “So long, my son”, de Wang Xiaoshuai, que traça um paralelo entre as transformações sociais da China e o período de 30 anos de luto de um casal, atomizado pela perda de um filho. Na capital alemã, em fevereiro, o longa conquistou os Ursos de Prata de melhor atriz e ator, dados a Yong Mei e Wang Jingchun.

Costa-Gavras, papa do thriller político, consagrado por sucessos como “Z” (1969), vai ganhar um prêmio honorário pelo conjunto de sua carreira, com a exibição de “Adults in the room”, seu exercício autoral mais recente. O projeto é uma adaptação do livro homônimo de Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, sobre a falência de sua nação. Valeria Golino e Ulrich Tukur são os protagonistas do longa, que se concentra em tramitações políticas e judiciais de 2015 para travar a bancarrota das finanças gregas.

“Acho que o único arrependimento que tenho na vida diz respeito aos projetos de cinema que não pude filmar por falta de financiamento. Um roteiro não filmado dói como um amor mal-acabado. E, hoje, a decisão sobre o futuro dos filmes reside nas mãos de investidores ligados a canais de televisão, pois é da TV que vem o nosso fomento, em coproduções”, disse o cineasta, que relembrou fatos marcantes de sua vida nas telas na autobiografia “Va où il est impossible d’aller”, lançado em 2018, em meio ao Festival de Cannes.