RODRIGO FONSECA

Tem “X-Men” neste sábado na TV aberta, muito bem dublado, às 14h10, na Globo, com direito a Isaac Bardavid, que nos deixou faz bem pouco, a emprestar o vozeirão ao australiano Hugh Jackman. Foi o longa-metragem que consagrou o astro e abriu a franquia X. Seu diretor, Bryan Singer, acabou por ser “cancelado”, em 2018, após uma série de tretas nos sets de “Bohemian Rhapsody”, a biopic do Queen. A principal trava a seu nome vem de seus (supostos) escândalos nos sets, o que não se fez notar quando rodou a primeira aventura dos pupilos do Professor Charles Xavier. Aliás, na sexta, a Panini Comics manda pras bancas uma das melhores HQs do personagem e seu acólitos: “A Saga da Fênix Negra”, de John Byrne e Chris Claremont.

Em terras brasileiras, o gibi mensal do povo X, muitas vezes zerado e reiniciado, está na edição n. 61. Fora isso, tem um especial dos Novos Mutantes chegando às vendas. O X está por todo lado, incluindo a frenética produção de “Deadpool 3”, que conta com Jackman em seu elenco.

Filme de 2000 terá sessão neste sábado, às 14h, na TV Globo

Ilíada mutante, Ilíada de um tempo em crise com o conceito clássico de heroísmo, o longa-metragem que a Globo exibe hoje fez as vendas dos gibis “X” se multiplicarem. O filme é rebento do que poderia ser entendido como o legado nº 1 da cultura digital para a dramaturgia audiovisual: o conceito de meta-cinema. Filhos do Átomo, os discípulos de Charles Xavier, criados nas HQs por Stan Lee em 1963, tornaram-se cinema como Filhos da Geração DVD. A partir do final dos anos 1990, quando a tecnologia informática permitiu o advento das bolachinhas chamadas de Digital Versatile Disc, toda a memória fílmica produzida no mundo, até aquele momento, encontrou um escoamento (e um veio de preservação) biblioteconômico, que nos permitiu não apenas acesso a cópias, por exemplo, de uma comédia de Harold Lloyd (1893-1971) feita em 1919, mas também a toda uma fortuna crítica (mais contemporânea) sobre ela: os chamado extras. Diferentes do que se viveu na era VHS, todo DVD era um casamento de entretenimento com aula de História, o que alfabetizou uma nova linhagem de cinéfilos e reeducou o olhar dos mais velhos, criando, em ambos, uma percepção de que a realidade – do Presente e do Passado, sobretudo – é mediatizada, ou seja, existe o passado real, concreto, e existe o passado que o cinema nos ensinou. Nossa ideia da Chicago dos gângsters não é a Chicago dos documentos, calcada em fatos: nossa Chicago é a de Brian De Palma em Os Intocáveis. Ou seja… verdade dá lugar a simulacros. E simulacros produzem simulações da vida, ou seja, uma meta-vida, onde imagem não é só um corredor que nos leva a experiências sensíveis: imagem é a experiência em si. E este X-Men que a TV aberta confere neste domingo é uma delas. Das melhores. O que a práxis do simulacro produziu foi um meta-cinema.

Veja, por exemplo, o caso de alguns de seus maiores artesões. Pedro Almodóvar (Fale com Ela) e Wong Kar-Wai (Amor à Flor da Pele) criaram com base em seu mergulho em mestres do cinema e do folhetim (Vincente Minelli e Douglas Sirk sobretudo) uma ideia de meta-melodrama, ou seja, uma reflexão sobre os sofrimentos do querer calcados não em registros do Real, mas em noções de amar, sofrer, perder e reconquistar que o Cinema ensinou a eles. Já Quentin Jerome Tarantino (Bastardos Inglórios) passou os últimos quatro anos dedicado à lapidação do que podemos chamar de meta-melodrama: os geniais Django Livre (2012) e Os Oito Odiados (2015) não são apreensões reais de questões do Oeste “de verdade”, mas sim do Oeste de papelão que Hollywood e os spaghetti italianos nos legaram. São “mentirinhas” erguidas sobre “mentirinhas”, ficção da ficção. Embora não tenha – ainda – o peso destes cineastas, mas já tenha um lastro autoral com base na contínua discussão da farsa como prática de sobrevivência, Bryan Singer fez da franquia X-Men a instância do meta: não o meta-quadrinho, mas o meta-filme.

Falando em “meta”, tem “Logan” (2017) na Star + e tem a série “X-Men: Evolutions” na Amazon Prime.