RODRIGO FONSECA

Quase um ano depois da vitória brasileira na disputa pelo Leopardo de Ouro, conquistado em 2022 por Julia Murat e seu “Regra 34”, a competição oficial do Festival de Locarno já arranca na trilha da polêmica, horas após a abertura de sua edição n. 76, em telas suíças, com a projeção de uma sátira francesa ao esnobismo burguês. Num rol de 17 filmes em disputa pelos troféus helvéticos, o hilariante “Yannick” surpreendeu multidões ao revelar um lado pouco conhecido do realizador Quentin Dupieux, um provocador (com ares de Ionesco e de Jacques Tati) que tem uma estética mais próxima do gosto do mercado do que do risco, vide “Au Poste!” (2018), até então seu melhor trabalho.

Embora seja uma figura querida em Cannes e na Berlinale, com seu jeitão debochado, ele nunca havia sido cotado para prêmios com o prestígio do Pardo d’Oro, cobiçado por cineastas escolhidos a dedo pelo curador Giona A. Nazzaro. Em 2021, ele assumiu a função de diretor artístico do evento e mudou tudo o que se conhecia da maratona audiovisual da Suíça, onde Glauber Rocha, Ana Vaz, Hector Babenco, Murilo Salles, Juliana Rojas e Marco Dutra foram laureados no passado.

Já é possível ver “Yannick” nas salas exibidoras da França, onde a produção estreou na quarta.  O roteiro de Dupieux abre uma discussão (brilhante) sobre o fosso de classes sociais embalada no faniquito dado pelo personagem título – um representante do operariado francês vivido por Raphaël Quenard – quando vai a uma peça de teatro, numa casa de espetáculos burguesa, e considera o texto enfadonho

 

. De arma em punho, ele força o elenco a encenar um novo texto. Os intérpretes são encarnados por Blanche Gardin, Sebastien Chassagne e pelo galã (cool) da vez na Europa: Pio Marmaï. A tensão que a premissa dessa revolta teatral cria na tela grande é recebida pelo público do cinema sob o filtro do humor nas raias do absurdo de seu diretor, mais conhecido no Brasil por “Rubber” (2010) e “Deerskin – 100% Camurça” (2019).

Falando em Brasil… Podemos sair de lá premiados – de novo – pelos curtas-metragens “Du Bist So Wunderbar”, de Leandro Goddinho e Paulo Menezes (feito em coprodução com a Alemanha) e “Pássaro Memória”, de Leonardo Martinelli. Ambos estão na competição Pardo di Domani. Tem homenagem a Rogério Sganzerla (1946-2004) também, com a exibição do cult “Abismu”, com Zé do Caixão e Zé Bonitinho no elenco.

Neste sábado, a cidade vai conferir, em sua Piazza Grande, um espaço de integração ao ar livre, o ganhador da Palma de Ouro de Cannes: “Anatomie d’Une Chute”, de Justine Triet. É um drama de tribunal em tom de thriller sobre uma escritora (Sandra Hüller) acusada de matar seu marido. Locarno segue até o dia 12, quando o júri presidido pelo ator Lambert Wilson anuncia os vencedores da mostra competitiva oficial.

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