Só filé!

Meat Is Murder

The Smiths

Warner Music UK

por Laboratório Pop

Em fevereiro de 1985, os Smiths lançavam Meat Is Murder, um disco que não só consolidaria a banda como uma das mais importantes da década, mas também a transformaria em um símbolo de contestação.

Quarenta anos depois, o segundo álbum do grupo de Manchester ainda ressoa como um manifesto, seja pela sua abordagem politizada, pelo som mais agressivo em relação à estreia ou pela icônica capa, que trouxe a frase do título estampada no capacete de um soldado.

Um álbum que, para muitos, definiu a identidade da banda e a relação quase messiânica de Morrissey com seus seguidores.

A guinada militante

Se o primeiro álbum dos Smiths, de 1984, era uma ode à melancolia e ao romantismo distorcido, Meat Is Murder veio com um espírito mais combativo. Morrissey, cada vez mais à vontade no papel de provocador, usou o disco para transformar suas obsessões pessoais em discursos globais.

O vegetarianismo e a crueldade animal foram os alvos principais, mas não os únicos: faixas como “The Headmaster Ritual” atacavam a brutalidade dos professores nas escolas britânicas, enquanto “Barbarism Begins at Home” falava sobre abuso infantil e repressão.

A escolha do título – Meat Is Murder (Carne é assassinato) – sintetizava essa guinada ideológica. Se antes a banda explorava o desencanto juvenil, agora ela pedia uma revolução, ao menos no prato.

Para a imprensa britânica, foi um choque. Para os fãs, um chamado. Para os críticos de Morrissey, a confirmação de sua arrogância.

O impacto musical

Musicalmente, Meat Is Murder representou uma evolução significativa. Johnny Marr, guitarrista e arquiteto sonoro da banda, ampliou sua paleta de influências.

Se o disco de estreia ainda carregava a urgência pós-punk, este álbum trouxe camadas mais densas e experimentações que iam do rockabilly ao funk.

“How Soon Is Now?”, incluída na versão americana do álbum, tornaria-se o hino definitivo da banda, com sua base hipnótica e ressonante, enquanto “That Joke Isn’t Funny Anymore” explorava um lado mais etéreo e doloroso do grupo.

Mas foi na faixa-título, “Meat Is Murder”, que a banda mais se arriscou. Um som sombrio, quase um mantra, onde Morrissey gemia, murmurava e bradava frases como se estivesse conduzindo uma pregação.

O barulho de animais sendo abatidos ao fundo tornava a experiência ainda mais incômoda. Era uma canção difícil e sem a acessibilidade pop das outras faixas. Uma escolha ousada para encerrar um álbum que já vinha carregado de tensão.

A polêmica: ativismo ou choque pelo choque? 

O título do disco se tornou um dos lemas mais reconhecíveis de Morrissey. Vegetariano ferrenho, ele usou sua posição para promover a ideia de que comer carne era um ato cruel e desnecessário.

Em entrevistas, chegou a sugerir que os açougueiros eram equivalentes a assassinos em série.

Essas declarações inflamadas dividiram opiniões: se muitos jovens aderiram ao vegetarianismo por influência do disco, outros passaram a considerar Morrissey um pregador insuportável.

A polêmica se acentuou com as turnês. Em diversos shows, “Meat Is Murder” era acompanhada de vídeos perturbadores de abatedouros, projetados em telões.

O próprio Marr confessou anos depois que, embora compartilhasse da ideia de que a indústria da carne era brutal, sentia que a abordagem de Morrissey era exagerada. “Não sou muito fã de ter um sermão sendo jogado na minha cara”, disse o guitarrista em entrevistas.

Morrissey, como sempre, não recuou.

Décadas depois, o cantor seguiu levando sua cruzada a novos níveis, recusando-se a se apresentar em festivais que vendessem carne e exigindo que seu público adotasse o vegetarianismo durante seus shows.

Ao longo dos anos, no entanto, sua militância começou a ser ofuscada por outras polêmicas políticas, muitas delas distantes do discurso que o consagrou em Meat Is Murder.

Legado de um álbum de choque

Quatro décadas depois, Meat Is Murder continua sendo um disco divisor de águas. Foi o primeiro e único álbum dos Smiths a alcançar o topo das paradas britânicas, consolidando a banda como a principal força da cena alternativa da época.

Mais do que isso, foi um álbum que provou que os Smiths não estavam ali apenas para cantar sobre corações partidos – eles tinham algo a dizer.

Se o impacto musical do disco é inegável, sua mensagem ideológica ainda gera debates.

Para alguns, Meat Is Murder foi um dos discos mais importantes na disseminação do vegetarianismo no Reino Unido. Para outros, foi o começo da era em que Morrissey passou a ser mais lembrado por suas opiniões do que por sua música.

De qualquer forma, é impossível ignorá-lo. Em tempos onde questões ambientais, consumo sustentável e direitos dos animais estão cada vez mais em pauta, Meat Is Murder continua atual – e, gostemos ou não, a frase que o batizou segue viva.

Morrissey sempre quis incomodar. E nesse disco, conseguiu como nunca.