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Kim Deal, do Breeders, emerge solo e esquisita. Ela explica

Nobody Loves You More nasce da filosofia criativa ‘sem babaquice’”

por Robert Halfoun

“No Electrical Audio (o estúdio em Chicago, criado pelo produtor Steve Albini, morto recentemente), há a política de gravar ‘sem babaquice’. Acho que essa é, provavelmente, uma filosofia criativa. Não sei definir exatamente, mas a primeira coisa que me vem à mente sobre isso é porque ela é uma boa regra inicial para o jogo. Algo para pensar antes mesmo de considerar os aspectos criativos de um projeto.” A declaração de Kim Deal, lenda indie ex-Pixies, líder do Breeders, dá a pista sobre como nasceu Nobody Loves You More, o seu primeiro álbum solo, lançado em novembro’24. Bom e esquisitão.

Em outras palavras, o disco traz um som experimental, mas acessível. Resultado de mais de uma década de trabalho, na qual surgia uma música ou outra, que antecipava o trabalho atual e reflete a sua habilidade única de misturar introspecção com arranjos criativos e leves. E isso tem tudo a ver com a tal poítica “sem babaquice”: o que Albini quer dizer é “não julgue, faça o que der na telha e vamos gravar as ideias como elas nascem. Não queremos grandes avaliações aqui”.

 

Uma boa prova disso é Deal falando sobre o seu processo de gravação de voz e a maneira como ele se deu em Nobody Loves You More. “Quando estou cantando, tenho a tendência de pedir para refazer isso ou aquilo. Certas palavras parecem ficarem presas na garganta, sabe? Sempre noto coisas que afetam a expectativa do que eu acho que deveria ter acontecido. Albini, no entanto, não tinha essa expectativa.”

Enquanto a artista falava, ele apenas escutava, em silêncio, administrando a ansiedade, natural nesses casos, dela. Que continuava: “Está bom para você? Eu acho que está fora de tom.” E ele: “Não sei o que é tom. Não sei se está fora ou não. Parece bom para mim.” A atitude é perfeita, principalmente considerando que a inspiração por trás das músicas do disco é bem emocional, principalmente ligada à família e amizades de longa data.

Ouvir Kim Deal como ela é define a intenção do álbum e é isso que está gravado. A sua voz e a sua visão sobre música se destacam da forma mais autêntica do que já vimos. Uma mistura de humor e vulnerabilidade, reflexo de suas raízes no meio-oeste americano (ela é de Ohio) e de sua trajetória artística, equilibrando rebeldia e acolhimento. “A minha origem explica tudo: de onde eu venho, gostamos de bandas de rock, como Nazareth, Outlaws, UFO.”

Sem falar de umas coisas mais tristonhas também, numa mistura que deu no que deu. Sem medo de fracassar, como mandamento “sem babacas” pipocando na mente dela. Algo conectado com um estilo de vida. “Para mim, falhar significa: pelo menos você tentou, mesmo que tenha levado uma surra porque estava na briga para fazer algo. Há algo muito doce e cativante em alguém que levou porrada, mas estava lá, tentando. Consigo me conectar com isso de alguma forma, porque isso fala comigo. Não sei exatamente por quê.”

Ela para, pensa e continua: “Posso olhar para todos os pequenos fracassos da minha vida, mas não é nisso que penso. Eu vejo como: ‘Nossa, você ficou tão legal todo arrebentado’”.

Olha isso: a arte do álbum foi criada por Alex Da Corte e é baseada na história de outro artista, Bas Jan Ader. Em 1975, Bas decidiu que iria atravessar o Oceano Atlântico em um barco pequeno, em busca de algo miraculoso. A esposa dele tirou uma foto dele antes de partir, e ele nunca mais foi visto. Só encontraram os pedaços do barco dele na praia. Deal diz o seguinte sobre o episódio: “Caramba, isso é um comprometimento do caralho. O cara foi lá e falhou miseravelmente. Então, a capa do álbum sou eu no barco — talvez numa viagem condenada ao fracasso.

Cá entre nós, Nobody Loves You More está bem longe disso.