Cinema

‘Dumbo’ chega pesado – e encantado – aos cinemas

Por Laboratório Pop

DUMBO – (L-R) Tim Burton and Danny DeVito.

Rodrigo Fonseca
Mesmo dividindo opiniões entre os críticos dos EUA, “Dumbo”, em sua delicadíssima versão anos 2010, arrebentou com força paquidérmica os portões das bilheterias dos EUA, faturando US$ 15 milhões apenas na última sexta-feira. Estima-se que, na soma com as sessões de sábado e da manhã de domingo, este número pule para cerca de US$ 50 milhões, configurando-se como o melhor resultado comercial de Tim Burton desde “Alice no País das Maravilhas” (2010), ano em que presidiu o time de jurados do Festival de Cannes.

Existe um visual circense em toda a obra de Timothy Walter Burton desde sua estreia na direção de longas-metragens, com “As grande aventuras de Pee-wee”, em 1985, só que a tônica afetiva sob sua lona é ditada pela carência, pelo desemparo. Pee-wee só conseguia sorrir se cercado de amigos, dada a ausência de maturidade em sua solitária formação. O Bruce Wayne que delineou com Michael Keaton, entre 1989 e 1992, era um órfão que mascarava sua solidão num combate ao crime. E o que mais dizer de seu pierrô apaixonado, Edward Mãos de Tesoura, que não algo ligado à falta do pai, de dedos e dos beijos de Winona Ryder? Sua opção em refilmar “Dumbo” (1941), dando ao paquiderme animado um coletivo de carne e osso e talentos (como os de Danny DeVito, magistral como o mestre de cerimônias de um circo decadente), explica-se no olho marejado de seu protagonista voador. Sua releitura preserva toda a dimensão fabular do desenho animado homônimo dos estúdios Disney, mas recheia os conflitos do elefantinho e seus amigos com uma dor que é constitutiva da linha autoral de seus filmes: a dor da inadequação. Temos um picadeiro de pessoas sem pertencimento, feito Burton, um cineasta singular, que, aqui, alcança o ápice do talento.

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Como na animação, Dumbo é um bebê que se destaca dos demais elefantes por suas orelhas gigantes, capazes de fazê-lo voar, o que faz dele a atração do espetáculo de Max Medici (DeVito, em atuação digna de Oscar). Mas seu brilho vai atrair a cobiça de investidores cruéis, como o magnata Vandevere (Keaton), sempre acompanhado de uma namorada francesa, a equilibrista Colette (Eva Green). Numa atuação impecável, capaz de mesclar sedução e fragilidade, a estrela de “Os sonhadores” (2003) cresceu, e muito, como atriz, e injeta camadas de angústia à figura de uma estrela que perdeu sua pátria e seu respeito próprio. Seu duo com Colin Farrell, no papel de um vaqueiro que atua como faz-tudo no circo, evoca a tradição romântica da Hollywood dos anos 1940, galvanizada com a canção “Baby Mine”, em versão Arcade Fire.
Nota-se, desde “O Lar das Crianças Peculiares” (2016), uma evolução formal (algo notável para um diretor reconhecido por sua concepção cenográfica sofisticada) no léxico de Burton. Ele, em “Dumbo”, dialogan com uma tradição perdida de clássicos aventurescos de fantasia do cinema europeu e não do americano. Tem um cheiro de “A Lenda dos Anões Mágicos” (1959), com Sean Connery, e um quêzinho de “Pele de Asno” (1970), de Jacques Demy. Mas tudo isso com correrias, com animais inquietos e com um vilão de uma maldade corrosiva, encarnado por um Michael Keaton cheio de avareza. Na ausência de seu muso, Johnny Depp, Burton anda estabelecendo parcerias muito ricas, como se viu no desempenho de Christoph Waltz em “Grandes Olhos” (2014), ou na atuação melancólica de Farrell.