Lô Borges morreu na manhã de 2 de novembro de 2025, aos 73 anos, mas deixou para o Brasil e para o mundo o tipo de despedida que apenas os gênios silenciosos sabem preparar: quatro álbuns de inéditas, gravados em segredo nos últimos três anos. O primeiro, A Estrada, feito em parceria com o irmão e letrista Márcio Borges; o segundo e o terceiro, frutos da inesperada colaboração com a pediatra e compositora Manuela Costa; e o quarto, o mais raro, o mais íntimo — apenas dele, letra e música, como se quisesse registrar, enfim, o som do próprio isolamento.
Era esse o Lô que o público pouco via, mas que os amigos sabiam reconhecer de longe: o homem fechado, introspectivo, quase tímido diante do mundo, mas que jamais se separava do violão. Um violão que parecia extensão do corpo, espécie de bússola afetiva que o guiava entre os acordes de uma vida inteira dedicada à delicadeza.
Desde Clube da Esquina (1972), aquele monumento de juventude, Lô aprendeu a viver entre a pureza e o silêncio. Não era de discursos, tampouco de entrevistas; era de música. E era através dela que dizia o que não cabia nas frases. O artista que compôs “O Trem Azul”, “Tudo que Você Podia Ser”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” e “Sonho Real” parecia carregar no peito uma Minas Gerais permanente — montanhosa, melódica e cheia de brumas.
Nos últimos anos, mesmo recluso, produziu como se pressentisse o fim. A Estrada, pronto desde 2022, tinha lançamento previsto para 2026, quando Márcio Borges completará 80 anos — um gesto simbólico, uma oferenda fraterna de quem nunca se desvinculou do irmão e parceiro das primeiras utopias.
O disco seguinte, Tobogã, marcou uma guinada inesperada. Lô se abriu para o novo, aproximou-se da médica Manuela Costa, 41 anos, e juntos criaram uma sequência de canções que misturam lirismo e vertigem. Era a segunda juventude de um compositor maduro, capaz de enxergar a infância no som da maturidade. O último dos quatro discos — o trabalho inteiramente solo — é, segundo pessoas próximas, o mais confessional que já fez. Canções em que letra e melodia nascem da mesma solitude.
Entre os muros de sua casa em Belo Horizonte, Lô viveu como quem respira em compassos. Não se deixava fotografar à toa, não fazia questão de circular — mas gravava, escrevia, testava timbres, revisava harmonias. Seus dias eram marcados por rituais domésticos: o café coado devagar, o violão sobre o colo, o olhar perdido em alguma lembrança dos tempos do Clube da Esquina.
A morte o alcançou quando a obra parecia, enfim, encontrar o ponto exato entre o passado e o porvir. Os álbuns inéditos revelam um autor que nunca parou no tempo, mas que tampouco quis acompanhar o ruído do mundo. Lô continuava fiel ao milagre da canção simples, à beleza que cabe em três acordes.
Era o artista que se escondia para permanecer. E que, mesmo partindo, deixa o som do seu recomeço.
Quando A Estrada for lançado, em 2026, será mais do que um disco: será um reencontro. Um aceno do menino de 20 anos que um dia correu descalço pela Rua Divinópolis, com o violão nas costas e o coração aberto para o infinito.
O Brasil, país de tantas urgências e esquecimentos, ainda aprenderá a entender que poucos artistas foram tão discretamente imensos quanto Lô Borges. Ele viveu à margem da fama — mas no centro da beleza.
E agora, com esses quatro álbuns, o menino do Trem Azul volta a passar. Lento, suave, eterno.
								
								
								
								