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Tame Impala, repleto de beats, ainda é uma banda de rock?

Novo álbum Deadbeat reascende a discussão que acompanha Kevin Parker há uma década

por Robert Halfoun

A chegada de Deadbeat, novo álbum do Tame Impala lançado em outubro de 2025, reacendeu uma discussão que acompanha Kevin Parker há pelo menos uma década: afinal, seu projeto ainda pode ser chamado de “banda de rock”? A pergunta é menos sobre estilo e mais sobre essência — o que define o rock em tempos de hibridismo e dissolução de fronteiras.

Quando o Tame Impala surgiu, no início dos anos 2010, era difícil ter dúvidas. Innerspeaker e Lonerism faziam ecoar os fantasmas do rock psicodélico dos anos 60 e 70: guitarras em espiral, bateria analógica, baixo orgânico, uma camada espessa de reverb e um senso quase artesanal de produção. Parker, um multi-instrumentista solitário no estúdio, conseguiu soar como uma banda completa — uma façanha que o tornava ao mesmo tempo herdeiro e desafiador da tradição.

Com o tempo, porém, esse conceito começou a se diluir. Em Currents (2015), Parker trocou os amplificadores por sintetizadores, os solos por grooves, e mergulhou num território que se aproximava da música de pista. The Slow Rush (2020) levou a metamorfose adiante, com produção polida, batidas digitais e um clima quase meditativo. A cada álbum, o rock se tornava menos instrumento e mais lembrança.

Em Deadbeat, essa transição atinge seu ponto de não retorno. Parker descreveu o disco como “profundamente inspirado pela cultura das raves australianas, os bush doofs que acontecem longe da cidade, no meio da poeira e do som contínuo”. A partir dessa imagem — um som que pulsa sem palco, sem plateia definida —, ele reconstrói o universo sonoro do Tame Impala. As guitarras quase desaparecem; em seu lugar entram batidas em quatro tempos, baixos sintéticos e um fluxo constante que parece mais pensado para o quadril do que para os ouvidos.

Mesmo assim, a assinatura de Parker continua intacta. Sua voz, envolta em reverb e falsete, ainda paira como um espectro sobre o som. As letras mantêm o tom introspectivo — culpa, alienação, cansaço, a sensação de estar “fora de lugar”. Há uma continuidade emocional evidente, ainda que o veículo tenha mudado.

A questão, então, não é se o Tame Impala abandonou o rock, mas o que significa ser rock em 2025. Se tomarmos o termo em sua acepção clássica — guitarra, baixo, bateria, suor e banda —, Deadbeat não se encaixa. Mas se entendermos o rock como atitude, como impulso de experimentação e inconformismo, talvez Parker esteja apenas levando o gênero a um novo território.

Ele mesmo parece consciente dessa ambiguidade. Ao longo da divulgação do disco, chegou a dizer que “o Tame Impala nunca foi uma banda de rock no sentido tradicional. Sempre foi uma tentativa de fazer música psicodélica com o que eu tinha à mão”. É uma definição precisa — e libertadora.

Para alguns fãs, essa liberdade soa como perda. Eles se lembram dos riffs de “Solitude Is Bliss” e “Elephant” e veem em Deadbeat uma renúncia ao vigor que os fez se apaixonar. Para outros, porém, o álbum representa o amadurecimento natural de um artista que nunca se conformou em repetir fórmulas. O risco é o mesmo que sempre definiu o rock — a vontade de romper com o que veio antes.

Deadbeat é, nesse sentido, o disco mais coerente de Kevin Parker em anos: um mergulho profundo na ideia de movimento, de trânsito entre mundos. Ele deixa para trás a “banda” que nunca existiu e assume de vez a solidão criativa que sempre esteve no centro do Tame Impala. O rock, se ainda vive ali, é como fantasma — não no sentido de ausência, mas como presença que resiste mesmo quando invisível.

Aí, o australiano louco e genial (há poucos hoje em dia o que faz o mundo ficar cada vez mais chato com a efemeridade que leva a mediocridade) anuncia a volta aos palcos na turnê que começa em abril de 2026 (com um prévia agora no outono nos EUA) e advinha o que terá no set list? Músicas antigas dos primeiros discos! Roqueiras e distorcidas como sempre, ao lado das canções mais dançantes, essas sim, com arranjos modificados que as deixam com uma estética que entendemos como… rock. Agora, sai da porra do Instagram e vai pensar um pouco. Rock tem mais a ver com gesto do que com gênero, sacou?